Por Letícia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) - A proposta em tramitação no Congresso para interferir em reajustes de tarifas de energia elétrica aprovados pela agência reguladora é ilegal e, em última instância, pode prejudicar a prestação dos serviços aos consumidores e elevar a percepção de risco de investidores do setor, segundo advogados e analistas ouvidos pela Reuters.
A Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira requerimento de urgência para o projeto de decreto legislativo (PDL) 94/22, que suspende o reajuste de tarifas de energia no Ceará determinado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Segundo informações da Agência Câmara, o autor da proposta, deputado Domingos Neto (PSD-CE), pretende alterar o texto em plenário para barrar todos os reajustes autorizados pela Aneel em diversos Estados.
Somente em abril, a Aneel aprovou reajustes anuais na casa de dois dígitos para distribuidoras no Ceará (24,85%, em média), Pernambuco (18,98%), Alagoas (19,88%), Bahia (21,13%), Sergipe (16,24%), Rio Grande do Norte (20,36%), Mato Grosso (22,55%) e São Paulo (14,97%).
Os elevados reajustes, com impacto direto na inflação, foram motivados principalmente pelas dificuldades enfrentadas com a crise hídrica no ano passado, que reduziu a geração hidrelétrica e forçou as distribuidoras a arcarem com custos mais altos para o acionamento das termelétricas.
Ana Karina Souza, sócia de energia do Machado Meyer, avalia que há um forte componente político na movimentação do Congresso e afirma que o projeto é inconstitucional, uma vez que usa o instrumento do decreto legislativo de forma inadequada. "Não está se discutindo a competência da Aneel (para regular tarifas), mas o mérito, e aí perde o argumento para utilizá-lo".
Raphael Gomes, sócio de Energia do escritório Lefosse, entende que o projeto é arbitrário e abre um precedente "perigoso" para o setor, normalmente lembrado pela estabilidade e previsibilidade das regras.
"Decisões da Aneel podem ser contestadas e questionadas, mas não dessa forma", disse.
Para Gomes, a proposta pode ter até efeitos deletérios imediatos aos consumidores, uma vez que a suspensão dos reajustes pode fazer com que as concessionárias tenham problemas para arcar com custos fixos, impactando na manutenção e preservação dos serviços.
A visão é compartilhada até pela Associação Nacional dos Consumidores de Energia (ANACE). Em nota, a entidade avaliou que o projeto é uma afronta ao processo regulatório.
"Os consumidores são os principais interessados em reduzir os custos da energia. Mas isso não pode ser feito por meio de uma canetada, muito menos com a intromissão do Congresso no trabalho de uma agência reguladora, como é a Aneel", alertou o diretor-presidente da Anace, Carlos Faria.
Analistas do Credit Suisse (SIX:CSGN) disseram que, embora críticas e movimentações para barrar reajustes sejam relativamente comuns em anos eleitorais, esse tipo de discussão gera ruído e pode afetar o apetite de investidores.
"Entendemos que os investidores podem estar dispostos a reduzir a exposição a empresas detentoras de grandes unidades de distribuição (altamente reguladas) em regiões mais pobres do Brasil (Nordeste e Norte), como Neoenergia (SA:NEOE3), Equatorial (SA:EQTL3) e Energisa (SA:ENGI4)", afirmaram os analistas do banco Carolina Carneiro e Rafael Nagano.
Ainda assim, a equipe do Credit disse acreditar que os contratos deverão ser respeitados, "especialmente em um setor que continua a demandar grandes investimentos e onde o governo está planejando a privatização de sua empresa federal de energia", em referência à Eletrobras (SA:ELET3).
(Por Letícia Fucuchima)