O dólar encerrou a sessão desta quinta-feira, 23, no mercado doméstico de câmbio em alta de 1,01%, cotado a R$ 5,2900, na contramão da onda de enfraquecimento da moeda americana em relação a divisas emergentes e de exportadores de commodities, após o Federal Reserve ter dado sinais ontem de fim iminente do processo de alta do juros nos Estados Unidos. Analistas atribuíram a derrocada da moeda brasileira ao aumento da percepção de risco fiscal e político local.
Afora uma queda na primeira meia hora de negócios, quando registrou mínima a R$ 5,2964, o dólar operou em alta ao longo do dia. A divisa renovou máximas à tarde acompanhando a degringolada do Ibovespa, atingindo R$ 5,2064. Termômetro do apetite por negócios, o contrato de dólar futuro para abril, que vinha apresentando baixa liquidez, teve giro mais forte hoje, acima de US$ 14 bilhões - o que sugere mudança relevante de posições dos agentes.
Houve nova leva de críticas do governo Lula ao Banco Central, que ontem manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano e não acenou, como ventilado por ala relevante do mercado, com redução do juros ainda no primeiro semestre. Em evento hoje no Rio, Lula disse que "não tem explicação no mundo para taxa de juros estar a 13,75% ao ano" e que "quem tem que cuidar do Roberto Campos Neto é o Senado", em alusão ao fato de que cabe ao Senado eventual afastamento do presidente do Banco Central. Até o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, visto como contraponto à ala política do Planalto, criticou a decisão do BC ontem à noite.
Também contribui para o mau humor dos investidores rusgas entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), justamente quando se prepara o terreno para votação do novo arcabouço fiscal. Lira até se contrapôs publicamente hoje ao tom belicoso de Lula e disse que o BC só terá instrumentos para reduzir os juros após o anúncio da nova regra.
O head da Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, observa que o tom duro do comunicado do Copom surpreendeu os investidores, que esperavam algum aceno para a possibilidade de redução de juros. "Mas o Copom está focado nas expectativas de inflação e, como o governo não ajuda a contê-las, o BC fica numa sinuca de bico. Mesmo com a taxa de juros extremamente alta, ele não tem condição de fazer qualquer movimento", afirma Weigt. "Com isso, vai aumentar a artilharia pesada contra o Roberto Campos Neto, o que gera um risco adicional. Diante do aumento da incerteza, vemos um movimento típico de aversão ao risco do 'Kit Brasil', com bolsa caindo e dólar subindo".
Em tese, o real tenderia a se beneficiar da perspectiva de manutenção de taxa de juros elevada por mais tempo. Investidores, contudo, parecem pedir prêmio ainda maior para carregar a divisa brasileira em razão das incertezas que se avolumam no horizonte. Ao desconforto com o adiamento da divulgação do novo arcabouço fiscal soma-se a perspectiva de desaceleração mais forte da atividade econômica, diante da deterioração das condições de crédito, sem a contrapartida de alívio relevante nas expectativas de inflação.
"O real destoou das demais moedas emergentes mesmo com o discurso duro do BC, que deveria ser positivo para a moeda, já que teremos juros altos aqui. Acho que esse desgaste entre o governo e o BC, com Haddad vindo a falar logo depois da decisão, prejudicou o real", afirma a economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest.
Para o head de câmbio da Trace Finance, Evandro Caciano, as incertezas no campo doméstico podem manter o real pressionado no curto prazo. O aumento das tensões políticas e a escalada da disputa entre governo e Banco Central tendem até mesmo a ofuscar parte do efeito positivo que provavelmente virá com a divulgação do novo arcabouço fiscal. "Por melhor que for a proposta, não vejo espaço para que o dólar possa bater os R$ 5,00. A insegurança é muito grande e o investidor estrangeiro está saindo da bolsa", afirma.