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Ilha filipina "dos mortos-vivos" deixa para trás estigma da hanseníase

Publicado 08.02.2012, 10:00
Atualizado 08.02.2012, 10:07

Eric San Juan.

Culión (Filipinas), 8 fev (EFE).- A ilha filipina de Culión, que abrigou a maior colônia de portadores de hanseníase do mundo, luta hoje para apagar de sua história o estigma de "Ilha dos Mortos-Vivos", mais de uma década depois de sua população ter sido curada.

A ilha, de 389 quilômetros quadrados e situada ao norte da paradisíaca ilha de Palawan, já abrigou mais de sete mil doentes durante os anos 1930, mas hoje todos os aldeões que sofreram a doença estão curados.

"As pessoas acham que todo mundo que vive aqui é deformado, só mencionar o nome da ilha os faz lembrar da hanseníase, mas agora somos uma ilha como outra qualquer", afirmou à Agência Efe Arturo Cunanan, diretor do asilo de Culión e considerado um especialista nesta doença infecciosa.

"Hoje não há mais ninguém infectado. Em 12 anos não tivemos um só caso e as pessoas que são vistas com sintomas já estão curadas. Os tratamentos modernos permitem uma recuperação muito rápida", comentou Cunanan.

Esse médico, nascido em Culión e neto de portadores de hanseníase, lembrou que "há 20 ou 30 anos, a infecção era visível em oito de cada dez pessoas que andavam pelas ruas da ilha".

O estigma era tamanho que, quando a ilha foi declarada município em 1992 (antes era considerada um sanatório, sob administração do Ministério da Saúde), muitos habitantes queriam trocar o nome do lugar para que a colônia de infectados caísse no esquecimento.

Hilarion Guia, o primeiro prefeito do município e curado da hanseníase há mais de 20 anos, ressaltou que muitos jovens de Culión que queriam estudar nas universidades do país tinham que ocultar sua procedência para evitar serem discriminados pelos alunos e em outros círculos sociais.

"Eles ficavam com vergonha de suas origens. Isso foi minha inspiração para lutar e mudar nossa reputação", disse Hilarion, que foi afastado de sua família ao ser internado em Culión em 1950, com apenas oito anos.

"Marcou-me a primeira vez que cheguei à ilha. Com exceção dos médicos e outros funcionários do sanatório, todo mundo estava infectado com a doença, seus corpos estavam deformados. A primeira coisa que pensei foi que algum dia seria como eles", lembra.

Hilarion, que sofreu deformações nas mãos e nos pés, contou que não teve outra alternativa a não ser aceitar ser internado na "ilha dos mortos-vivos", onde durante anos viveu com um tio também infectado.

"Graças a isso pude estudar e me tornar professor. Em minha província, minha avó não quis me mandar para a escola por medo que as outras crianças rissem de mim", lembrou.

Uma seção do hospital financiada pela organização espanhola Anesvad continua acolhendo meia dúzia de doentes que, sofridos e cansados da discriminação em suas províncias, buscaram ali ajuda médica para se curar o mais rápido possível.

"Quando meus vizinhos na ilha de Negros descobriram que eu tinha esta doença fizeram da minha vida um inferno. Construíram uma cerca ao redor da minha casa para não me deixar sair. Aqui as pessoas não têm medo", afirmou Verônica, uma paciente de 47 anos que mesmo curada ainda apresenta alguns sintomas.

A colônia de Culión, uma fortaleza localizada na área mais alta da ilha, foi criada em 1906 pelas autoridades coloniais americanas inspirada no bem-sucedido modelo testado anos antes na ilha havaiana de Molokai.

A segregação dos contaminados foi total: os habitantes originais foram expulsos, se cunhou uma moeda própria para evitar a mistura com a de circulação nacional, e foram estabelecidas duas zonas, uma de doentes e outra de pessoas saudáveis, separadas por postos de controle que continuam de pé como um monumento ao passado trágico.

A marginalização continuava inclusive depois de mortos, pois as pessoas que tinham sofrido a doença eram enterradas em um cemitério e as saudáveis em outro.

Após a independência das Filipinas, muitas pessoas deixaram a ilha, mas Culión continuou sendo um sanatório onde chegavam pacientes vindos de todas as regiões, fugindo do desprezo de seus vizinhos e inclusive de suas famílias.

"Minha mulher me abandonou e não vi meus filhos durante 20 anos por causa da doença. Aqui me sinto bem, não quero ir embora de Culión", disse Larry, um antigo paciente de 61 anos casado pela segunda vez com uma mulher de 39 anos que também sofreu a doença.

A hanseníase é uma enfermidade causada por uma bactéria que destrói os nervos, causa insensibilidade nos membros afetados, ferimentos e deformações. Nas Filipinas são registrados a cada ano de mil a dois mil novos casos, segundo dados das autoridades de saúde. EFE

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