Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - O governo brasileiro acumula mais de 7 bilhões de reais em pagamentos atrasados a 121 empresas de geração e distribuição de energia elétrica, em um débito que se arrasta desde o ano passado, quando começou a haver descompasso nos repasses de recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo responsável por bancar diversos subsídios nas contas de luz.
Os atrasos, que eram de 6,2 bilhões de reais no final de 2014, cresceram até março deste ano, quando alcançaram 8,3 bilhões de reais, e então começaram a recuar, ainda que lentamente.
Os dados foram publicados esta semana pela estatal Eletrobras (SA:ELET3), após meses de atraso na divulgação devido a uma greve de funcionários.
Segundo a Eletrobras, que recebeu do governo a missão de gerenciar a CDE, o descasamento é causado pelo período entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015, em que a conta deixou de receber recursos suficientes.
"A arrecadação do fundo foi inferior às suas necessidades, e o único ingresso de recursos do Tesouro Nacional, no valor de 1,25 bilhão de reais, não foi suficiente para pagar a dívida existente", disse a Eletrobras, por meio da assessoria de imprensa.
A estatal prevê a regularização do fluxo da CDE "nos próximos quatro meses", uma vez que o orçamento aprovado para o fundo neste ano "foi elaborado contemplando os gastos correntes e os valores que estavam em atraso".
As dívidas da CDE com as distribuidoras são de 4 bilhões de reais e variam desde valores a faixa de 100 mil reais, no caso de pequenas empresas regionais, até atrasos de centenas de milhões em repasses a companhias como Coelce, Elektro, Copel, CPFL e Cemig (SA:CMIG4).
No caso das empresas de geração, que têm 3 bilhões de reais a receber da CDE, a própria Eletrobras é a mais afetada, com 2 bilhões de reais em créditos atrasados, dos quais 812 milhões de reais iriam para a Chesf e 684 milhões de reais para Furnas.
ORIGEM DO ROMBO
O presidente da consultoria Thymos, João Carlos Mello, avalia que o problema tem origem na Medida Provisória 579, de setembro de 2012, que reduziu as contas de energia em cerca de 20 por cento, com corte em encargos setoriais que bancavam subsídios, como descontos a consumidores de baixa renda e a geração de energia em regiões remotas do país.
"O governo decidiu que alguns custos não seriam mais cobertos pela tarifa, mas pelo Tesouro", disse Mello. "Agora o Tesouro disse que não tem mais dinheiro, mas acumulou-se um passivo. O problema continua, não tem mágica."
A MP também envolveu a renovação, com tarifas menores, de concessões de geração e transmissão que venceriam até 2017, com a promessa de pagamento de indenizações às empresas que aceitaram a proposta.
Em 2015, com o início de um processo de ajuste fiscal no país, a equipe econômica do governo decidiu que a CDE voltaria a ser abastecida com recursos arrecadados nas contas de luz, por meio de encargos.
Com isso, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou um reajuste tarifário extraordinário médio de mais de 20 por cento em fevereiro, mas os aumentos ainda não foram suficientes para quitar os débitos da CDE em atraso.
"Provavelmente vai ter um aumento (tarifário) bastante relevante no ano que vem também, para cobrir todo esse buraco e reequilibrar. Talvez, com sorte, se tudo der certo, isso feche no ano que vem", disse o presidente do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires.
Do total de dívidas com as distribuidoras, 75 por cento, ou 3 bilhões de reais, são referentes a despesas com "modicidade tarifária". Esses valores representam custos que surgiram quando um grupo de geradoras --Cesp, Cemig, Copel e Celesc-- não aceitou as novas tarifas propostas pelo governo e preferiu continuar com as concessões até o vencimento.
Na época, o governo decidiu que o Tesouro entraria com recursos para que a redução tarifária continuasse no patamar prometido, de 20 por cento, uma conta que agora voltou para o consumidor.
No caso dos repasses às geradoras, a maior parte do devido é referente a indenizações ainda não quitadas junto às empresas que renovaram as concessões em 2012.
Para Adriano Pires, do CBIE, o fato de a Eletrobras concentrar 67 por cento dos atrasos para a classe de geração representa uma manobra "perversa" do governo, que tenta conter o impacto do problema em sua própria esfera.
"Acaba penalizando ainda mais a Eletrobras, que já é a mais penalizada", disse o consultor.
A estatal federal perdeu mais de 8 bilhões de reais em receitas anuais após aderir à renovação das concessões proposta pela MP 579.
Procurado pela reportagem, o Ministério de Minas e Energia não se manifestou.