ATENAS (Reuters) - Os gregos votaram em massa neste domingo pela rejeição do pacote de resgate ao país, arriscando a própria ruína financeira em uma demonstração de resistência que pode fragmentar a Europa.
Com cerca de metade dos votos do referendo contabilizados, os números oficiais dão conta de que 61 por cento dos gregos são contra a oferta de resgate ao país. Uma projeção do ministério do Interior mostra que o percentual final deve ser muito próximo disso.
A surpreendente e robusta vitória do "não" derrubou as pesquisas de opinião, que previam um resultado muito parelho. Ela também deixa a Grécia à deriva em águas desconhecidas: arriscando a ruína financeira, o isolamento político dentro da zona do euro e o colapso bancário se os credores negarem ajuda daqui em diante.
Mas para milhões de gregos o resultado foi uma mensagem raivosa aos credores de que a Grécia não pode mais aceitar repetidas rodadas de austeridade que, em cinco anos, deixaram um em cada quatro pessoas sem emprego no país. O primeiro-ministro, Alexis Tsipras, denunciou que o preço a se pagar pela aceitação do resgate seria "chantagem" e "humilhação" nacional.
Em pronunciamento, Tsipras afirmou que o referendo deste domingo marcou uma página virada na história da Grécia e que a democracia "não pode ser chantageada". Ele disse que seu governo está pronto para voltar imediatamente com as negociações com os credores.
O premiê afirmou que o referendo deu mandato para que o governo alcance uma solução viável para a situação financeira do país e que não há saídas simples, mas sim que há saídas justas desde que ambos os lados da mesa de negociação queiram isso.
Centenas de gregos já começaram a aparecer na praça central de Syntagma em frente ao parlamento nacional para comemorar o resultado do referendo, após uma semana de desespero em que bancos fecharam as portas e houve racionamento de saque de dinheiro nos caixas para prevenir o colapso do sistema financeiro grego.
"Essa é a marca da vontade do povo grego e agora cabe aos europeus decidirem se respeitam nossa opinião e querem nos ajudar", disse Nikos Tarasis, de 23 anos, estudante.
Membros do governo da Grécia, que disseram que o "não" reforçaria a capacidade do país de assegurar um melhor acordo com os credores internacionais após meses de discussão, imediatamente disseram que iriam trabalhar para recomeçar as conversas com os parceiros europeus.
"Eu acredito que não exista grego hoje que não esteja orgulhoso, porque independente do que ele tenha votado ele mostrou que seu país acima de tudo respeita a democracia", disse o ministro do Trabalho, Panos Skourletis.
"O governo agora tem um mandato forte, uma carta forte de negociação, para trazer um acordo que poderá se abrir por novos meios."
Mas funcionários da zona do euro acabaram com qualquer panorama de reatamento das conversas. Um funcionário disse que não há planos para uma reunião de emergência entre os ministros de finanças da zona do euro na segunda-feira, afirmando que o resultado do referendo significaria que os ministros "não saberiam o que discutir".
Muitos dos parceiros de Atenas haviam avisado ao longo da última semana que a vitória do "não" significaria o corte dos laços entre Grécia e Europa e levaria a já debilitada situação financeira grega à falência total, piorando dramaticamente a depressão econômica do país.
O resultado também representa um duro golpe ao projeto da União Europeia de moeda única. Pensada para ser permanente e inquebrável quando foi concebida há 15 anos, a zona do euro pode agora estar prestes a perder seu primeiro membro com o risco do colapso.
Os bancos gregos, que foram fechados durante a semana e racionaram os saques em dinheiro, devem ficar sem dinheiro nos próximos dias, a não ser que o Banco Central Europeu providencie uma ajuda emergencial. O ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, deve se encontrar com os principais banqueiros do país ainda neste domingo, e o ministro de Estado, Nikos Pappas, um dos nomes mais próximos do primeiro-ministro, afirmou que é "absolutamente necessário" restaurar a liquidez para que o sistema bancário opere agora que o referendo acabou.
No entanto, o Banco Central Europeu, que realiza uma reunião por conferência na manhã de segunda-feira, pode estar relutante em aumentar os empréstimos emergenciais para os bancos gregos depois que a população do país rejeitou os cortes orçamentários e reformas econômicas que os credores consideram essenciais para recuperar as finanças gregas, disseram fontes do BCE.
Os primeiros indícios dão conta de que qualquer resposta política da União Europeia ao referendo grego deve levar alguns dias. A chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês François Hollande se encontrarão em Paris na manhã da segunda-feira. A Comissão Europeia, órgão executivo da UE, se reúne em Strasburgo na terça-feira, e reportará ao Parlamento Europeu a situação na Grécia.
"Os líderes da União Europeia devem se reunir imediatamente, ainda na segunda-feira. A situação é muito séria para deixar ela toda para os ministros de finanças", disse Alex Schaefer, deputado líder do Partido Social Democrata (SPD) no parlamento alemão.
"Você tem de ter confiança na capacidade do Banco Central Europeu em agir. Nós devemos usar todas as possibilidades no orçamento da União Europeia para ajudar a Grécia, que ainda é um membro do euro e da UE."
ÁGUAS NUNCA ANTES NAVEGADAS
A vitória do "não" põe a Grécia e a zona do euro em águas nunca antes navegadas. Incapaz de pegar emprestado dinheiro dos principais mercados, a Grécia agora tem uma das dívidas públicas mais altas do mundo. O Fundo Monetário Internacional avisou na última semana que seria necessário um massivo aporte financeiro de mais de 50 bilhões de euros para aliviar a dívida.
No entanto, membros do governo grego veem o relatório do FMI como um ponto crucial que dá suporte ao argumento de que o resgate financeiro que os credores apoiam só iria, de fato, empurrar a Grécia ainda mais para a depressão.
Tsipras convocou o referendo há oito dias depois de rejeitar os duros termos sugeridos pelos credores internacionais, antes de liberarem bilhões de euros para o pacote de resgate.
Ele então afirmou que os termos davam um "ultimato" à Grécia e seu argumento de que o "Não" iria permitir ao governo barganhar um melhor acordo parece ter convencido muitos gregos, especialmente os votantes mais jovens que têm sofrido com uma taxa de desemprego de aproximadamente 50 por cento entre eles.
Pesquisas de opinião nos últimos meses têm mostrado que uma vasta maioria da população quer que a Grécia, ainda assim, permaneça na zona do euro.
(Por Carolina Tagaris e Lefteris Papadimas)