(O autor é editor de Front Page do Serviço Brasileiro da Reuters. As opiniões expressas são do autor do texto)
Por Alexandre Caverni
SÃO PAULO (Reuters) - A crise política que se agrava com cada fato novo, como ficou demonstrado com a notícia de delação premiada do ex-líder do governo no Senado Delcídio do Amaral e com a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depoimento, pode acabar desaguando na incômoda situação de o Brasil ter quatro presidentes diferentes num espaço muito curto de tempo.
Pode não ser o quadro mais provável, mas a possibilidade existe de o país passar por uma sequência de presidentes que não se via desde o interregno entre o suicídio de Getúlio Vargas e a posse de Juscelino Kubitschek ou no período que vai do fim do mandato de Juscelino ao início do governo de João Goulart.
Se o impeachment da presidente Dilma Rousseff parecia, para alguns, praticamente sepultado depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter definido um rito para o processo que foi visto como favorável ao governo, as supostas denúncias na delação premiada de Delcídio, que ainda precisa ser homologada, deram novo ânimo para os que defendem o impedimento da presidente.
Essa delação mais a nova fase da operação Lava Jato tendo como alvo Lula somada à prisão do marqueteiro João Santana, que comandou as três últimas campanhas presidenciais do PT, devem impulsionar ainda mais as manifestações populares contra o governo marcadas para o próximo domingo.
A expectativa é que os protestos tenham um tamanho parecido ou até maior do que as manifestações de março do ano passado, as maiores até agora, de modo que sejam um combustível importante de pressão sobre os parlamentares pelo impeachment de Dilma.
Caso o impedimento seja aprovado pelo Congresso a fila começaria a andar. O atual vice-presidente da República, Michel Temer, assumiria a Presidência no lugar da petista.
O problema é que existem várias ações da oposição no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo a cassação da chapa Dilma-Temer. E as denúncias envolvendo Santana e a campanha presidencial de 2014 podem alimentar essa fogueira. Gilmar Mendes, ministro tanto do STF como do TSE, disse considerar ser possível a inclusão de novas provas nessas ações.
No cenário de impeachment da petista, a posterior cassação da chapa Dilma-Temer teria como efeito derrubar Temer, que, nesse caso, estaria na Presidência, de modo que chegaríamos a um presidente da República interino. Sendo ainda Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ou outro deputado, o presidente da Câmara seria o terceiro presidente da República na nossa fila, agora de forma interina.
No caso da cassação pelo TSE ocorrer ainda este ano, o presidente interino teria que convocar eleições diretas para serem realizadas em até 90 dias. Mas se a queda de Temer se der apenas em 2017, a nova eleição teria que ocorrer em 30 dias e seria feita indiretamente pelo próprio Congresso Nacional.
O presidente eleito, pelo voto popular ou pelo Congresso Nacional, seria o quarto dessa fila, por ora imaginária, e ficaria no cargo para completar o mandato original de Dilma, ou seja, até o final de 2018.
OUTROS TEMPOS
A situação só não é mais parecida com a de 60 anos atrás porque naquela época houve conspiração para impedir a posse de um presidente eleito democraticamente, Juscelino, e uma quartelada, ou o chamado "golpe preventivo", justamente para garantir o respeito ao resultado das urnas.
Com o suicídio de Getúlio em agosto de 1954, assumiu em seu lugar o vice-presidente da República, Café Filho.
Em novembro do ano seguinte, em meio a pressões de setores civis e militares para impedir a posse de Juscelino, eleito no mês anterior, mais dois presidentes se sucederam no cargo mais alto do país: Carlos Luz, que era presidente da Câmara dos Deputados, e Nereu Ramos, vice-presidente do Senado --pela Constituição da época, o vice-presidente da República acumulava a função de presidente do Senado, de modo que a linha sucessória ia para o vice do Senado.
Finalmente, no final de janeiro de 1956 assumiu Juscelino.
Em 1961, num período ainda mais curto, o Brasil viu quatro presidentes.
Juscelino deixou o governo no final de janeiro daquele ano, sucedido por Jânio Quadros, eleito para um mandato de cinco anos. Mas Jânio renunciou no final de agosto, e o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a Presidência da República, porque o vice João Goulart estava em viagem oficial à comunista República Popular da China.
Devido a fortes pressões militares para impedir que Jango assumisse, a posse do novo presidente da República só ocorreu em 7 de setembro, depois de muitas idas e vindas e inúmeras negociações, que acabaram levando a um apressado, e breve, regime parlamentarista.
INCERTEZA MAIOR
Ainda que exista a possibilidade de vermos de novo tantos presidentes em um espaço tão curto de tempo, o mais provável é que não cheguemos a esse ponto.
Primeiro, pode ser que, afinal, o impeachment não seja aprovado. Nesse caso, mesmo que a chapa Dilma-Temer seja cassada e os dois percam seus mandatos, já teríamos um presidente a menos na nossa fila (Temer).
É possível também que se o impedimento de Dilma ocorrer, o TSE decida rejeitar as ações que pedem a cassação da chapa Dilma-Temer, de modo que o peemedebista possa completar o mandato de Dilma sem maiores sobressaltos políticos.
Mas, se a sucessão dos acontecimentos acabar sendo a descrita mais acima, ainda que os defensores do afastamento de Dilma vejam em sua saída do cargo o início da solução da crise que o país vive hoje, o grau de incerteza adiante será imensamente maior do que se consegue imaginar agora.
* Esta coluna foi publicada inicialmente no terminal financeiro Eikon, da Thomson Reuters.