Por Eduardo Simões
SÃO PAULO (Reuters) - A presidente Dilma Rousseff disse em conversa telefônica com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, interceptada pela Polícia Federal, que estava enviando um emissário para lhe entregar o termo de posse no comando da Casa Civil da Presidência para ele usar "em caso de necessidade".
Lula, que foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil nesta quarta, é investigado pela operação Lava Jato, cujos processos estão concentrados na 13ª Vara Federal do Paraná, em Curitiba. O juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara, levantou sigilo sobre o áudio e demais informações do processo.
"Lula, deixa eu te falar uma coisa, eu estou mandando... um papel para a gente ter ele e só use em caso de necessidade, que é o termo de posse", afirma a presidente no aúdio gravado no início da tarde desta quarta-feira e que foi anexado aos autos do processo.
Ao ser assumir o cargo de ministro, Lula passa a ter foro privilegiado junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), ficando fora do alcance de Moro, responsável pelas ações da Lava Jato em primeira instância.
Em outros trechos das conversas telefônicas interceptadas pela PF com autorização da Justiça, Lula também conversa com Dilma sobre a condução coercitiva e as operações de busca e apreensão de que foi alvo na 24ª fase da Lava Jato e afirma que o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Parlamento estão "acovardados" e afirma estar assustado com o que chama de "República de Curitiba".
"Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos uma Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado, um Parlamento totalmente acovardado... Nós temos um presidente da Câmara f..., um presidente do Senado f..., não sei quanto parlamentares ameaçados, e fica todo mundo no compasso de que vai acontecer um milagre e que vai todo mundo se salvar", afirmaou Lula à presidente, de acordo com as gravações.
"Eu, sinceramente, estou assustado com a 'República de Curitiba'. Porque a partir de um juiz de 1ª instância, tudo pode acontecer nesse país."
Na mesma ligação, feita no dia 4 de março, data da condução coercitiva de Lula para depor, o ex-presidente também conversou com o então chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, nomeado nesta quarta-feira chefe de gabinete de Dilma. Na conversa, Lula fala sobre a ministra Rosa Webber, do STF, que dias depois rejeitou pedido da defesa do ex-presidente para suspender investigações contra ele nos Ministérios Públicos Federal e de São Paulo.
"Ô Wagner eu queria que você visse agora, falar com ela (aparentemente se referindo à presidente Dilma), já que ela está aí, falar o negócio da Rosa Weber, que está na mão dela pra decidir. Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram", disse Lula.
Em outra conversa, dessa vez com o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, Lula sinaliza que suspeita que suas ligações estejam sendo interceptadas pela PF e pede ao ministro que procure se "inteirar" sobre o que a Receita Federal, subordinada ao ministro, está fazendo em relação ao Instituto Lula.
"Ô, Nelson, te falar uma coisa por telefone, isso daqui. O importante é que a Polícia Federal esteja gravando. É preciso acompanhar o que a Receita está fazendo junto com a Polícia Federal, bicho", disse Lula.
"Você precisa se inteirar do que eles estão fazendo no Instituto. Se eles fizessem isso com meia dúzia de grandes empresas, resolvia o problema de arrecadação do Estado... estão procurando pêlo em ovo. Eu vou vou pedir para o Paulo Okamotto (presidente do Instituto Lula) botar tudo no papel, porque era preciso você chamar o responsável e falar 'que p.. que é essa?'", acrescentou.
No diálogo, transcrito pela PF, Barbosa disse a Lula pedir para Okamotto colocar as reclamações no papel, e o presidente responde, por sua vez, que "não tem problema de investigar, não".
O Ministério da Fazenda divulgou nota nesta quarta-feira afirmarndo que até o momento "não recebeu manifestação formal do Instituto Lula, mencionada na gravação, a respeito da autuação da Receita Federal".
A divulgação da conversa entre Lula e Dilma sobre a entrega do termo de posse no ministério ao ex-presidente agravou ainda mais a situação já frágil do governo.
Em nota, o Palácio do Planalto afirmou que o teor da conversa foi "republicano" e criticou Moro por, na avaliação do Planalto, violar "a lei e a Constituição da República" ao autorizar a divulgação do áudio.
(Reportagem de Eduardo Simões)