Por Marta Nogueira
RIO DE JANEIRO (Reuters) - A suspensão temporária de impostos federais sobre o diesel, anunciada na véspera pelo presidente Jair Bolsonaro, tem potencial para quase anular possíveis efeitos nas bombas de reajuste de 15% feito pela Petrobras (SA:PETR4) nas refinarias, apontaram analistas ouvidos pela Reuters.
Bolsonaro anunciou que irá zerar por dois meses, a partir de 1º de março, PIS/Cofins que incidem sobre o diesel fóssil, com o objetivo de "contrabalançar" o reajuste que considerou "excessivo" feito pela petroleira estatal, que terá efeito a partir desta sexta-feira.
O reajuste da Petrobras elevou o diesel nas refinarias em média em 0,34 real por litro, para 2,58 reais por litro. O repasse dos reajustes nas refinarias aos consumidores finais nos postos não é garantido, e depende de uma série de questões, como margem da distribuição e revenda, impostos e adição obrigatória de biocombustíveis.
O prazo de dois meses, segundo o presidente da República, visa dar tempo para o governo pensar em uma forma de eliminar o imposto de forma definitiva.
"O Pis/Cofins que será reduzido é praticamente o valor do aumento que a Petrobras fez ontem no preço", disse o chefe da área de óleo e gás da consultoria INTL FCStone, Thadeu Silva.
No entanto, o especialista ponderou que está programado um aumento da mistura de biodiesel no diesel comum também a partir de 1º de março, em um momento em que o biocombustível está com preços elevados. "Então alguma alta (do diesel nas bombas) ainda vamos ter", frisou.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, afirmou ainda ser cedo para avaliar se o aumento da mistura do biodiesel poderá elevar o preço do diesel nas bombas. Mas ponderou que o impacto do biocombustível é pequeno comparado ao diesel fóssil, cujos valores têm sido crescentes --a alta do preço da Petrobras é de 27,5% nas refinarias, no acumulado do ano.
Ele lembrou que biodiesel responderá em março por apenas 13% do volume do combustível vendido nos postos, ante 12% atuais, enquanto o diesel impacta no restante.
CAMINHONEIROS
A medida de Bolsonaro veio como resposta a pressões feitas por caminhoneiros, que se queixam dos preços altos do diesel e chegaram a ameaçar uma greve no início do mês.
As discussões ocorrem ainda em meio a uma baixa demanda por combustíveis, em função da pandemia de Covid-19.
O presidente da Fecombustíveis, federação que representa cerca de 42 mil postos revendedores de combustíveis no país, Paulo Miranda, destacou que toda vez que o produto sobe, os consumidores tomam providências para economizar e acabam reduzindo a demanda.
"Os aumentos (do diesel) foram muito expressivos. No nosso segmento, nós trabalhamos com margens muito apertadas, estou imaginando que a maioria não terá condições de absorver esse aumento", afirmou. "Quanto mais caro, mais difícil de vender."
Segundo ele, o PIS/Cofins representa aproximadamente 35 centavos de real por litro, mas o efeito do corte deverá ser de cerca de 31 centavos por litro, uma vez que o combustível vendido nas bombas recebe atualmente uma mistura de 12% de biodiesel.
"Isso anula aumento que a Petrobras está dando a partir de hoje. Mostra para os caminhoneiros que o governo está com boa vontade de tentar ajudar", disse Miranda.
INTERFERÊNCIAS POLÍTICAS
O anúncio de Bolsonaro veio acompanhado de críticas ao presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, o que volta a reanimar temores sobre possíveis interferências políticas na administração da empresa, em momento em que a estatal estava avançada em processos para vender refinarias.
A presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), que representa as petroleiras, Clarissa Lins, preferiu não comentar as declarações do presidente, mas defendeu a liberdade do mercado para definir preços, em prol de um ambiente para a atração de investimentos de longo prazo.
Uma política clara sobre os preços de combustíveis da Petrobras é importante para o processo de venda de refinarias, uma vez que a estatal, após finalizar o programa, ainda ficará com cerca de metade do parque de refino nacional, focando o Sudeste, o principal mercado consumidor.
Além disso, Lins afirmou que o IBP vê com bons olhos iniciativa anunciada pelo governo federal em busca da simplificação tributária para tornar ambiente mais transparente e previsível.
Na semana passada, Bolsonaro encaminhou ao Congresso um projeto de lei que propõe alterar a cobrança do ICMS sobre combustíveis, com o objetivo de estabelecer uma alíquota de imposto uniforme e específica, reduzindo a volatilidade e aumentando a previsibilidade.
O movimento de Bolsonaro de cortar PIS/Cofins poderá servir de pressão para que o Congresso avalie com celeridade o tema e também para provocar possíveis movimentos por parte dos Estados, segundo especialistas.
"É uma medida política/econômica com a finalidade de o governo dizer que está preocupado e sacrificando o caixa para tentar reduzir pressão dos preços no diesel", disse o presidente do Conselho Superior e head de estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral.
"Essa medida política também força os Estados para reduzir também o ICMS sobre combustível... Até como uma forma de demonstrar preocupação em relação ao país."
Segundo um relatório da XP nesta sexta-feira, a isenção de impostos federais sobre o diesel, aos níveis atuais de preço e volume de vendas, representaria uma renúncia de receitas da ordem de 3 bilhões de reais no bimestre anunciado.