Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - A proposta do governo federal de promover uma ampla reforma no setor elétrico agradou o mercado, com forte alta nas ações de empresas do segmento após a divulgação das medidas, mas a abrangência das mudanças sinaliza desafios imensos para a solução de antigos problemas na regulação.
A mais ambiciosa mudança no marco regulatório desde uma revisão de regras no início do governo Lula, entre 2003 e 2004, pode esbarrar na crise política, uma vez que deve ser efetivada com uma medida provisória (MP) que pode chegar a um Congresso mais preocupado com denúncias contra o presidente Michel Temer.
Além disso, alguns técnicos do setor preveem que as medidas podem gerar tendência de elevação nas tarifas de eletricidade, embora o governo prometa o contrário.
Outro ponto da reforma que pode enfrentar resistência é o viés fortemente pró-privatizações, em parte por questões ideológicas e em parte devido ao interesse de parlamentares por cargos e influência nas estatais, mesmo na bancada de apoio a Temer.
"Obviamente o momento é muito ruim para fazer isso. Lançar uma reforma para daqui a dois, três meses... hoje em dia o governo não consegue fazer uma previsão de quantos votos ele teria, é altamente arriscado", disse à Reuters o diretor de Estratégia da Arko Advice, Thiago de Aragão.
"Privatização vai trazer resistência dos partidos de esquerda, mas isso já é contabilizado. O problema é a parte política dos parlamentares da base aliada que possuem indicações dentro (das estatais), e isso pode criar problema... em um momento em que a própria base aliada avalia sua posição dentro do governo", complementou.
Ao comentar o pacote de medidas com jornalistas nesta semana, o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, admitiu que o momento político não é ideal, mas ressaltou que as mudanças são relevantes e precisam seguir adiante.
Uma das medidas mais polêmicas é a proposta de que hidrelétricas antigas da Eletrobras (SA:ELET3) que hoje negociam energia a preços abaixo de mercado possam cobrar mais pela eletricidade para ganhar valor e assim serem privatizadas.
Para especialistas, a medida tem forte potencial de gerar elevação de custos, uma vez que a energia dessas usinas poderia saltar de cerca de 60 reais atualmente para até mais de 200 reais.
"Deverá haver impacto nas tarifas dos consumidores", alertou o presidente da associação Abradee, Nelson Leite, que representa investidores em distribuição de energia.
"Os preços tenderão a aumentar", concordou o professor do MBA em Setor Elétrico da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Diogo Mac Cord.
A proposta do Ministério de Minas e Energia prevê que os ganhos com as privatizações seriam divididos entre a Eletrobras, o Tesouro e um fundo que custeia subsídios nas tarifas, o que aliviaria em parte impactos para os consumidores.
Mas no documento em que explica suas intenções a pasta ressaltou que não tem a decisão final sobre a destinação dos recursos.
Uma fonte do governo admitiu à Reuters nesta semana que há ainda possibilidade de ao longo das discussões o Tesouro tentar avançar sobre uma fatia maior dos recursos gerados com as operações, principalmente dado o cenário de déficit fiscal.
MUDANÇA GRANDE
Apesar da dificuldade política e do potencial impacto tarifário, as medidas para o setor de eletricidade foram consideradas positivas porque enfrentam diversos problemas atuais da indústria, como disputas judiciais que travam alguns negócios do segmento, disseram especialistas.
A maior parte dessas questões decorre de mudanças na regulamentação promovidas entre 2012 e 2013 pela presidente Dilma Rousseff por meio de uma medida provisória, a MP 579, que tinha como principal objetivo reduzir as tarifas, mas acabou por gerar custos maiores para consumidores e empresas no médio prazo.
Antes do anúncio da reforma nesta semana, uma fonte do governo disse à Reuters que o princípio do novo pacote é ser uma "anti-MP 579", desfazendo as políticas anteriores para o setor.
"É (uma reforma) bem ambiciosa, está enfrentando os desafios presentes. É uma proposta que tem como qualidade sua vontade de resolver. Mas essa vontade de resolver faz virar uma proposta enorme. É sinal de que tem muita coisa para resolver", disse à Reuters o sócio da consultoria Thymos Energia, João Carlos Mello.
Ao incentivar vendas de ativos da Eletrobras e a ampliação do mercado livre de eletricidade, as medidas também agradaram aos investidores privados, que reclamaram de excesso de interferência do Estado na indústria de energia nos últimos anos.
O especialista em energia do escritório de advogados Mattos Filho, Fabiano de Brito, disse que negócios em eletricidade já têm atraído interesse em licitações e operações de fusões e aquisições, o que mostra o potencial de elevação dos investimentos se a reforma for bem conduzida.
"Existem muitos investidores dispostos a entrar no setor, ou aumentar sua participação. O que é necessário é ter um processo com condições para isso... quando você ajusta efetivamente a condição de oferta das oportunidades à realidade, a resposta dos investidores é praticamente imediata", afirmou.
No embalo da expectativa de mudanças, as ações ordinárias da Eletrobras subiram mais de 25 por cento desde terça-feira, enquanto as da transmissora Cteep avançaram quase 5 por cento no mesmo período.