Por Nidal al-Mughrabi e Fadi Shana e IbraheemAbu Mustafa e Saleh Salem
GAZA/RAFAH/CAIRO (Reuters) - "Minha vida, meus olhos, minha alma", escreveu um marido na mortalha branca que envolveu sua esposa depois que a guerra que devasta Gaza tirou sua vida.
Um filho enlutado escreveu "minha mãe e tudo" no pano funerário que cobria sua mãe, uma entre os mais de 21 mil palestinos mortos no confronto entre Israel e Hamas.
Nas últimas 12 semanas, pedaços de pano branco se tornaram um símbolo das mortes de civis causadas por Israel em retaliação ao Hamas, que matou 1.200 pessoas e fez 240 reféns no ataque transfronteiriço de 7 de outubro.
Embora o território palestino sitiado enfrente uma grave escassez de alimentos, água e remédios, as mortalhas brancas usadas para embrulhar os palestinos mortos permanecem em abundância.
Nem todas as mortalhas contêm palavras de amor. Devido ao caos da guerra, alguns dos mortos não podem ser identificados imediatamente.
Nesses casos, as mortalhas trazem as palavras "homem desconhecido" ou "mulher desconhecida" e, antes do enterro, são tiradas fotos e a data e o local do ataque são documentados para que os indivíduos possam ser identificados pelos parentes mais tarde.
Se o conflito escalar, espera-se que o fornecimento das mortalhas brancas doadas por governos árabes e instituições de caridade acompanhe a demanda. Mas há dificuldades causadas pelo grande número de mortos e, às vezes, há lacunas na disponibilidade local das mortalhas.
"Os desafios que enfrentamos são muitos, há escassez de facas e tesouras de que precisamos para preparar as mortalhas e cortá-las", disse Mohammed Abu Mussa, voluntário da sociedade Keratan, que prepara os cadáveres para o enterro.
FACAS, TESOURAS, ALGODÃO
"Como vocês sabem, há um bloqueio e não há materiais na Faixa de Gaza, por isso temos dificuldades para conseguir facas, tesouras e algodão", disse ele, acrescentando que há tantas pessoas morrendo que, às vezes, as mortalhas doadas não são suficientes e ele tem que envolver quatro ou cinco pessoas em uma única mortalha.
Marwan Al-Hams, diretor do hospital Abu Yousef Al Najjar, disse que a prevalência das mortalhas significa o sofrimento de Gaza.
"O grande número de mártires fez da mortalha branca um símbolo dessa guerra e ela se tornou paralela à bandeira da Palestina em sua influência e no conhecimento do mundo sobre a importância de nossa causa", disse ele.
A cobertura branca remonta a uma narrativa do Profeta Maomé, que incentivou seus seguidores a usarem roupas brancas e também a envolverem os mortos em branco.
As mortalhas de doadores árabes vêm embaladas com uma barra de sabão, perfume, algodão e eucalipto para a preparação dos corpos para o enterro, disse à Reuters um médico de um hospital na cidade de Rafah, no sul do país.
Um funcionário do Ministério da Saúde de Gaza disse à Reuters que as mortalhas são fabricadas com material têxtil ou de náilon. Embora as de náilon sejam fabricadas tanto em branco quanto em preto, a cor branca é a tradicional e a preferida.
Em Gaza, em tempos normais, no momento em que alguém morre, um parente vai ao mercado e compra um "Kafan", ou mortalha.