SÃO PAULO (Reuters) - Chesley “Sully” Sullenberger era um piloto experiente, com mais de 20.000 horas de voo, às vésperas de completar 58 anos quando, em 15 de janeiro de 2009, viveu a mais eletrizante experiência de sua vida.
Pouco depois da decolagem do aeroporto LaGuardia, em Nova York, com 150 passageiros e 5 tripulantes a bordo de um Airbus A320, os dois motores entraram em pane, após uma colisão com um bando de pássaros. Acreditando que não haveria tempo para retornar e aterrissar em um dos aeroportos próximos, Sully, ousadamente, decidiu pousar o avião sobre as águas do rio Hudson. Como se sabe, todos se salvaram.
A extraordinária história ocupa o centro do novo filme do veterano Clint Eastwood, “Sully – o herói do Rio Hudson”, mesmo nome do livro de memórias do piloto, escrito em parceria com o jornalista Jeffrey Zaslow, que inspira em parte o roteiro de Todd Komarnicki.
Embora uma reconstituição muito realista do sensacional episódio constitua parte substancial do filme --realizada em estúdio em Burbank, California, no mesmo lago artificial que sediou uma das sequências de “Tubarão”--, o centro nervoso do enredo é a investigação conduzida pela agência estatal de segurança dos transportes dos EUA, a National Transportation Safety Board (NTSB), sobre o arriscado procedimento levado a cabo por Sully, com assistência do co-piloto Jeff Skiles (Aaron Eckhardt).
Aí localiza-se o centro da controvérsia que inclusive extrapola o filme. Na tela, a apuração, conduzida por Charles Porter (Mike O’Malley) e Elizabeth Davis (Anna Gunn) --nomes fictícios, ao contrário dos pilotos--, é francamente hostil aos investigados, colocando em dúvida se o pouso no rio não teria sido uma temeridade e especulando que uma aterrissagem em LaGuardia ou Teterboro (aeroporto em Nova Jersey) teria sido não só possível como recomendável.
A investigação, que poderia ter cassado a licença dos pilotos e acarretado outras punições, funciona, portanto, como um drama de tribunal, em que Sully e Jeff lutam para atestar a correção de suas atitudes, que são minuciosamente repassadas, uma por uma.
Com aparência envelhecida para assemelhar-se ao personagem real, Tom Hanks assume por inteiro o papel de um homem investido da paixão pela defesa de sua honra mas que é igualmente atravessado pela dúvida --ele também se questiona sobre o que fez. Afinal, não é todos os dias que um piloto pousa na água e vive para contar a história, assim como todos os passageiros.
A polêmica transbordou para a vida real, já que os investigadores sentiram-se atingidos ao serem pintados como os vilões da história, o que eles negam. O próprio Sully, no entanto, em entrevista por e-mail ao jornal “The New York Times”, garantiu que o filme reflete “perfeitamente a tensão vivida naquele momento” e que o processo foi “adverso, com nossas reputações postas em jogo”.
Além do mais, o piloto, hoje aposentado, teve acesso prévio ao roteiro, fez várias observações e foi presença constante no set, o que serve de aval à visão apresentada no filme de Eastwood --que, a bem da verdade, vai bem mais longe do que o livro escrito pelo piloto.
Em termos cinematográficos, Eastwood, 86 anos, mostra que continua afiado. Mesmo um espectador familiarizado com a história de final feliz terá tudo para temer pela sorte dos passageiros, dependendo do socorro de balsas e helicópteros que teriam que ser rápidos, devido à baixa temperatura dos ventos e da água do Hudson em pleno inverno.
Hanks esmera-se numa interpretação cheia de nuances que tem tudo para render-lhe a sexta indicação ao Oscar e uma possível conquista da terceira estatueta --ele já tem duas em casa, pelos dramas “Filadélfia” (94) e “Forrest Gump” (95).
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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