SÃO PAULO (Reuters) - Daniel Mantovani (Oscar Martínez) é um escritor argentino sem meios-termos. Quando ganha o Nobel de Literatura, vai à cerimônia em Estocolmo, mas não faz a reverência aos monarcas, não usa roupa de gala e faz um discurso ácido sobre o papel de um prêmio dessa envergadura e de como isso é prejudicial a um artista – a premiação significa que ele foi aceito pelo establishment: “A canonização é fatal”, conclui.
Esse é o protagonista da comédia argentina “O Cidadão Ilustre”, da dupla Gastón Duprat e Mariano Cohn (os mesmos diretores de “O Homem ao Lado”). Vivendo na Europa há quatro décadas, Daniel não volta à sua pequena cidade natal desde quando a abandonou.
O lugar, Salas, fica a cerca de 7 horas de Buenos Aires, tem poucos habitantes e uma mentalidade provinciana. Por isso, ele reluta em revisitá-la quando recebe um convite para ser agraciado com a homenagem que dá nome ao filme.
Ele acaba aceitando o convite, apesar de uma série de exigências (sem beijos ou abraços, a imprensa não pode saber que ele está lá, entre outras coisas).
No aeroporto de Buenos Aires, é recebido por um tipo estranho com um carro velho, que quebra no meio da estrada, obrigando-os a passar a noite por ali.
Quando finalmente chegam a Salas, o escritor é recebido pelo prefeito (Manuel Vicente), que comenta sua agenda de eventos durante os poucos dias que ficará na cidade. O primeiro deles é dali a pouco: uma aula aberta. E, por mais que relute, será levado num desfile em carro de bombeiros ao lado da miss local.
Duprat e Cohn miram no humor construído a partir da tensão entre a sofisticação de Daniel e a simplicidade dos moradores de Salas. O que muitos ali parecem não saber é que a cidade e seus antigos habitantes serviram de cenário e inspiração para personagens dos romances e contos dele – e os retratos nem sempre são lisonjeiros. Mas isso os “salenses” logo ficarão sabendo.
Trabalhando com roteiro de Andrés Duprat (irmão de Gastón), a dupla de diretores também traça um retrato pouco amável das pessoas daquela cidadezinha. Dividem-se entre interesseiros, invejosos e fãs de Daniel, embora, bem provavelmente, a maioria nunca tenha lido um livro dele – por isso é tamanha a surpresa quando se descobre o que ele diz sobre Salas.
O efeito cômico vem das expectativas de ridículo que o filme potencializa na distinção entre Daniel e Salas. Logo depois de sua chegada, durante a homenagem, a exibição de um vídeo amador e (supostamente) cafona conta a vida do protagonista, quando criança chamado de Titi, enquanto morava ali até que saiu para ganhar o mundo.
É um momento engraçado do filme, mas que sintetiza em si a forma como quase todos da cidade são ridicularizados.
Em Salas, poucos se salvam. O prefeito é oportunista, o antigo melhor amigo de Daniel (Dady Brieva) casou-se com a ex-namorada do escritor (Andrea Frigerio) e enriqueceu levando turistas para caçar porcos selvagens. Há também um pintor local (Marcelo D’Andrea), que será o maior opositor de Daniel. Os personagens são todos, por assim dizer, excêntricos – falta alguém mais “normal” para dar um contraponto a toda a esquisitice.
Cinematograficamente, “O Cidadão Ilustre” não é muito empenhado.
Sua imagem parece pouco cuidada, assim como a câmera e afins – em alguns momentos, mais parece uma produção para a TV. Sua discussão sobre autonomia da arte é superficial e parece um tanto deslocada aqui. Ainda assim, é inegável que há bons momentos de humor e uma grande interpretação de Martínez.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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