SÃO PAULO (Reuters) - Em 2010, a atriz Naura Schneider produziu o documentário “Silêncio das Inocentes”, sobre a aplicação da Lei Maria da Penha no Brasil. O próprio caso da farmacêutica que ficou paraplégica após ser baleada pelo próprio marido e pai de suas filhas e deu nome à lei, junto com outros relatados no longa, fizeram a atriz lançar-se em novo projeto acerca do tema.
Ela não apenas é produtora, como também protagoniza, ao lado de Domingos Montagner, o drama “Vidas Partidas”, primeiro filme do diretor de TV Marcos Schechtman.
Exibida no Festival de Cinema Brasileiro em Paris deste ano, a produção inspira-se em relatos, incluindo o de Maria da Penha, e estatísticas para criar a dinâmica do casal Graça (Naura Schneider) e Raul (Montagner, de “De Onde Eu Te Vejo”).
A conceituada biomédica e o economista desempregado vivem, junto com suas duas filhas, no Recife dos anos 1980 – onde, curiosamente, ninguém tem o mínimo sotaque.
Aparentemente feliz, o casamento mostra uma simbiose inicial dos dois, particularmente no sexo, que é quebrada com o sucesso da mulher em contraste com as dificuldades dele na carreira.
Sob o olhar da empregada (Georgina Castro), o homem dominador, pincelado desde o trancar das portas na abertura, vai se revelando no ciúme, levando-o a controlar suas amizades, até chegar à violência psicológica e física que arrastam a trama para um tribunal em 1992.
Schechtman afirmou, durante a coletiva de imprensa do longa, que sua intenção não é mostrar “porque uma pessoa entra em uma relação destas, e sim, por que não sai”, valorizando o lado sedutor do esposo – até porque se trata do galã da novela das nove – e o fator familiar nas decisões da protagonista.
Na mesma ocasião, Schneider declarou que a primeira ideia era fazer um filme sobre Maria da Penha, mas foi abandonada porque o que houve com ela não abrangia a totalidade dos casos de violência contra a mulher.
Porém, na tentativa de abarcar todos eles, a construção do Raul como personagem concentrador de todos os males, um crápula completo que simboliza vários agressores do dia-a-dia, acaba resvalando no maniqueísmo que o diretor queria evitar.
Por isso, soa estranho a escolha pelo final, forçando uma humanidade que poderia ser mais trabalhada pelo texto antes e que se sustenta mais pelas sutilezas da performance de Montagner, permitindo que seu papel não se limite ao de um simples vilão.
Falta a mesma qualidade ao roteiro de José Carvalho no ziguezague temporal nem sempre fluido, já que no início, os flashes do julgamento são estranhos à narrativa até aquele momento.
Na direção, soa deslocada a referência ao livro “Discurso Sobre a Servidão Voluntária”, de Étienne de La Boétie, sem tato e naturalidade no enquadramento e mise-en-scène. Por outro lado, deve-se dar o mérito da opção por retratar um casal de classe média, bem-instruído, para explicitar que isso pode acontecer em qualquer meio social, e a preocupação do diretor em fazer um registro bem diferente da linguagem televisiva, com a qual é familiar.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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