SÃO PAULO (Reuters) - Pouco visto nas telas internacionais, o cinema islandês começa a se transformar em um novo produto de exportação e "A Ovelha Negra" (2015) é exemplo disso: o longa ganhou o prêmio principal da mostra Un Certain Regard do festival de Cannes de 2015 e foi o candidato islandês ao Oscar de filme estrangeiro.
O diretor Grímur Hákonarson usa sua experiência como documentarista para retratar o dia-a-dia dos criadores e seus rebanhos de carneiros, mais populosos na ilha do que os humanos, enquanto mescla o registro com um tom fabular para apresentar a história de dois irmãos e vizinhos que não se falam há 40 anos - o porquê, sabiamente, nunca é esclarecido.
A rivalidade entre eles transparece nas competições entre seus animais. Porém, quando o carneiro vencedor do razinza Kiddi (Theodór Júlíusson, de “Sobrevivente”) é diagnosticado com "scrapie", doença letal para os ovinos, equivalente ao “mal da vaca louca” nos bovinos, através do alerta do amargurado caçula Gummi (Sigurður Sigurjónsson), a rotina de todo o vilarejo é modificada. Ambos, cada qual à sua maneira, tentam salvar suas criações do sacrifício decretado pelas autoridades.
Em seu segundo longa de ficção –o anterior foi “Summerland” (2010)–, Hákonarson apresenta uma direção segura, de execução limpa e humor pitoresco, como no caso do cachorro mensageiro dos irmãos e vizinhos em guerra. Os dois atores principais oferecem performances controladas e tocantes o suficiente para não cair em um estudo depreciativo dos personagens.
Até porque o diretor, que visitou São Paulo na Mostra de Cinema, afirmou preferir falar sobre “pessoas que lutam contra o sistema” em seus trabalhos. Para ele, Gummi e Kiddi são “fazendeiros rebeldes”, que não aceitam as regras quando elas lhes tiram a base sobre a qual suas vidas foram construídas.
Por isso, Grímur e o diretor de fotografia Sturla Brandth Grovlen, do plano-sequência único do alemão “Victoria”, aproveitam toda a amplitude do cinemascope/widescreen para reforçar a imagem das duas figuras, que sempre foram solitárias, mas com o drama dos rebanhos, também ficam perdidas, em uma imensidão fria que marca o interior do país.
Junto com a edição de Kristján Loðmfjörð, o cineasta usa planos longos e estende os momentos de silêncio para marcar esse isolamento, mas quebra esse tom com alguma situação inusitada ou cômica entre os protagonistas, dosando o drama e a diversão.
Assim, uma história muito regionalista, dada a importância dos carneiros para a cultura nacional, ganha contornos universais na relação desses irmãos em disputa, ao mesmo tempo, teimosos e amorosos com seus rebanhos.
No relacionamento tão próximo que ambos estabelecem com seu gado, onde os papéis são quase trocados em processo conjunto de “antropozoomorfização”, os animais servem de instrumento para discutir a própria humanidade. E se o final é o único momento em que o longa cede ao sentimentalismo, a concessão serve ao propósito da obra de levar à catarse da resistência.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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