SÃO PAULO (Reuters) - Às vezes, Hollywood conta com a falta de memória do público, repetindo temas que já tiveram êxito em outros filmes para tentar garantir o sucesso de uma nova produção.
Certamente, ao assistir "Antes de Dormir" (2014), longa produzido por Ridley Scott e estrelado por Nicole Kidman e Colin Firth, o espectador, diferente da protagonista desmemoriada, terá certo déjà vu, pois o problema da personagem é recorrente na sétima arte.
A amnésia anterógrada, também conhecida como perda de memória recente, na qual o indivíduo não consegue reter novas lembranças após o despertar de uma doença neurológica ou determinado trauma físico ou psicológico, já inspirou vários filmes.
Entre eles, uma animação --"Procurando Nemo" (2003) com a inesquecível Dory--, comédias românticas --a famosa "Como Se Fosse a Primeira Vez" (2004) e o romance para TV "Como Não Esquecer Essa Garota" (2013)-- e thrillers --o cult "Amnésia" (2000), que apresentou Christopher Nolan para o grande público, e o mais recente "O Vigia" (2007).
Por isso, as recordações desses outros longas poderão vir à mente de quem estiver na plateia deste suspense.
A adaptação de Rowan Joffe do romance de estreia de S. J. Watson apresenta, em sua primeira cena, Christine Lucas (Kidman) acordando atordoada.
Logo, o então estranho dormindo ao seu lado na cama se apresenta como Ben (Firth), seu marido há 14 anos. E, apesar do visível cansaço de sempre ter que explicar à esposa que um acidente causou nela uma amnésia que faz sua mente voltar, todos os dias ao acordar, aos seus vinte anos – quando ainda era solteira –, ele demonstra ser muito amoroso com a mulher.
Porém, quando ele sai de casa para trabalhar, telefona um homem que se identifica como Dr. Nasch (Mark Strong), um terapeuta que ela havia consultado uma vez às escondidas. O médico a avisa da existência de uma câmera digital, guardada em uma gaveta, com a qual ela grava vídeos diários – no best-seller, era um diário, de fato, que conduzia a segunda parte da narrativa – sobre sua condição e suas dúvidas.
É então que o público descobre, junto com a personagem, que ela já estava desconfiando do marido e, assim, acompanha sua caçada atrás da verdade.
Embora não tão eficiente quanto o recente "Garota Exemplar" (2014), o filme também faz uma alegoria da tensão de um casamento em forma de suspense, especialmente, no que diz respeito à confiança entre os cônjuges.
Só que neste caso, além do cenário inglês, é uma mulher dividida entre as figuras de dois homens nos quais ela não consegue, ou pode, confiar. Neste sentido, a escalação dos atores foi muito propícia para plantar a dúvida no público e tornar a virada mais interessante.
Colin Firth carrega a imagem de bom moço, tão conhecida em outros filmes, para um personagem misterioso, enquanto Mark Strong, depois de tantos vilões, aparece como um tipo que diz só querer o bem de sua paciente.
Já Nicole Kidman, que repete a parceria com Firth realizada no drama "Uma Longa Viagem" – que se repetirá na cinebiografia ainda em filmagem, "Genius" (2015) - mesmo mimetizando um pouco do seu trabalho em suspenses como "Os Outros" (2001), não merecia a injusta pré-indicação ao Framboesa de Ouro deste ano.
Isso porque o filme se sustenta, em grande parte, pelo seu pequeno e competente elenco. Joffe, que em 2010 teve sua estreia na direção do remake melodramático do noir britânico "Brighton Rock" (1947), até consegue prender a atenção do público, mas encerra sua obra com um final sentimental que difere do resto do longa e parece ter sido colocado apenas para servir de redenção a esta mulher.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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