SÃO PAULO (Reuters) - A princípio, "Sob o Mesmo Céu" (2015) era para chamar a atenção por ser uma nova comédia romântica – embora tenha tons de dramédia – de Cameron Crowe, diretor daqueles filmes que o público prazerosamente vê e revê na televisão, como "Quase Famosos" (2000) e "Jerry Maguire: A Grande Virada" (1996), com um atrativo elenco, desde o trio Bradley Cooper-Emma Stone-Rachel McAdams até grandes nomes como Bill Murray e Alec Baldwin, tendo o Havaí como cenário.
Mas, nos Estados Unidos, o longa tem gerado burburinho há algum tempo, por outros motivos nada bons. Primeiro, foram os e-mails hackeados da então vice-presidente da Sony Pictures Entertainment Amy Pascal, que já revelavam seu descontentamento com a produção.
A agora ex-executiva do estúdio dizia que o filme não funcionava e, embora o fracasso de bilheteria possa aparentemente comprovar isso, o que não pode se contestar é que as histórias do portão de pedestres e do satélite, assim como ela apontava, realmente não funcionam.
Entretanto, na realidade, seu horrível desempenho comercial no mercado norte-americano tem origem mais nas duras críticas de ativistas locais ao "branqueamento" do elenco e até ao uso da palavra sagrada "Aloha" no nome original, que repercutiram na mídia e nas redes sociais, antes mesmo de sua estreia. Nisso há uma ponta de injustiça, que vem da precipitação dos tempos atuais.
É certo que se trata de mais um filme prioritariamente branco em um estado/arquipélago onde os nativos e descendentes compõem 60 por cento da população; e, em uma trama centrada particularmente em uma base militar norte-americana, isso era de se esperar. Mas, em comparação com as últimas produções hollywoodianas que usaram o Havaí como locação – "Os Descendentes" (2011) e "Como se Fosse a Primeira Vez" (2004), por exemplo –, a de Crowe talvez seja a que mais pague tributo à cultura genuinamente havaiana, ainda que às vezes soe como adereço após o primeiro ato ou seja colocada de forma estranha.
Outra crítica incisiva foi contra a escalação da loiríssima Emma Stone como a capitã Allison Ng. Em uma espécie de mea-culpa, Cameron disse que a intenção era mostrar uma personagem, baseada em um caso real, frustrada por sempre ter de provar seus antepassados, apesar das aparências contrárias. Sendo assim, na realidade, o erro não foi na escolha da atriz e sim no fato de o diretor não conseguir que a piada fosse entendida, mesmo com sua repetição; ou melhor, de não focar o longa em uma figura que poderia se mostrar muito mais complexa do que o protagonista.
Neste momento, você pode estar se perguntando: afinal, qual é a história do filme? Mas é justamente em seu roteiro que reside o real problema de "Sob o Mesmo Céu". Tal qual a explosão sonora no espaço durante o clímax – sim, é um longa do Cameron Crowe e não teria como a música não fazer parte da história de alguma forma –, o script é cheio de segmentos interessantes, mas sempre apresentados de maneira incompleta.
No caso, são várias subtramas possivelmente intrigantes – a ocupação militar e comercial do céu e o nacionalismo havaiano, por exemplo –, mas superficiais, que se entrelaçam de um modo confuso.
Brian Gilcrest (Bradley Cooper) é um ex-oficial da Nasa e agente de um multimilionário da indústria aeroespacial, Carson Welch (Bill Murray, pouco aproveitado, assim como Alec Baldwin, que tem um único momento seu), que volta ao Havaí para mediar o lançamento de um satélite da companhia, negociando com os nativos e conduzindo a operação.
No retorno à terra natal, ele reencontra a ex-namorada Tracy (Rachel McAdams) já casada com o militar workaholic e taciturno, John 'Woody' Woodside (John Krasinski, ótimo na mudez de seu personagem) e com dois filhos, enquanto tenta lidar e não se envolver com a proativa capitã Allison Ng, enviada para ser seu "cão de guarda" durante a missão.
Nunca ficam claros ao público quais foram os pecados cometidos por Brian quando desistiu da carreira militar para se tornar um mercenário, como se o diretor/roteirista quisesse evitar alguma rejeição. Mas, de certo modo, esse desconhecimento do protagonista gera a falta de empatia, apesar de ficar clara a sua jornada de redenção, típica nos trabalhos do cineasta. Assim, mais por Cooper, a plateia acaba gostando de Gilcrest, mas sem se importar muito com o destino dele.
O espectador também estranha como Allison pode se apaixonar tão rápido pelo "lobo solitário", mesmo sendo ele tão bonito, para ser a animada voz que guiará o personagem principal nesta caminhada de salvação. No entanto, Stone, a despeito de toda a discussão, põe tanta energia em um papel assumidamente acima do tom, que contagia o resto e quem está sentado na poltrona do cinema.
Por outro lado, também é de se duvidar como, após um rompimento traumático há 13 anos, Brian e Tracey conseguem rapidamente conversar como velhos amigos, sem nenhum tipo de rancor por parte dela, que facilmente conta seus problemas matrimoniais. Mesmo assim, com o naturalismo de McAdams, os encontros dos dois chegam a ser envolventes.
No entanto, é no silêncio que o longa tem seus melhores momentos, seja nas "conversas" entre Woody e Gilcrest, à la "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (1977), ou na bela cena final de Danielle Rose Russell, que vive a filha de Tracey. E assim, mesmo com toda a confusão do roteiro, o espírito do filme, com todo o seu "Aloha" e defesa da sacralidade do céu, da terra e do amor, acaba cativando, tal qual em "Tudo Acontece em Elizabethtown" (2004) e "Compramos um Zoológico" (2011), os últimos e fracos trabalhos de Crowe, que agora necessita se reinventar.
Portanto, diferentemente do que aconteceu nos EUA, o público brasileiro poderá interessar-se por "Sob o Mesmo Céu" pelos motivos que, a princípio, ele deveria se destacar – ainda mais com a oportuna estreia na véspera do Dia dos Namorados.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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