SÃO PAULO (Reuters) - Suponhamos que às vésperas de tomar uma decisão importante, os representantes das maiores economias do planeta convidem para entretê-los o músico Lou Reed, a escritora J. K. Rowling, criadora de “Harry Potter”, e o papa Francisco.
É muito possível que, dependendo das decisões tomadas, os convidados, que possuem uma visão mais humanista do mundo, tentem convencê-los a mudar de ideia.
Esse é o paralelo fictício feito pelo diretor siciliano Roberto Andò em “As Confissões”, em que reúne dirigentes do G-8, o presidente do FMI, um astro do rock, uma escritora de livros infantis e um monge italiano em um hotel luxuoso na Alemanha, de onde sairá uma decisão que abalará a economia do Ocidente, principalmente a dos países mais endividados, como a Grécia, que é citada durante as conversas.
Para agravar a situação, o monge Roberto Salus (Toni Servillo, de “A Grande Beleza”) acaba involuntariamente envolvido em um fato trágico, mas sobre o qual não pode se pronunciar, alegando segredo de confissão.
A insólita presença dos três estranhos no ninho se dá a convite do presidente do Fundo Monetário Internacional, o francês Daniel Roché (Daniel Auteuil). A figura mais misteriosa é a do monge, autor de um livro polêmico e cujo silêncio é visto com desconfiança pelos políticos, ao contrário da escritora Claire (Connie Nielsen) e do roqueiro Kis (Lambert Wilson), paparicados por serem celebridades.
Se em seu filme anterior, “Viva a Liberdade”, também estrelado por Servillo, o diretor siciliano abordava de forma bem humorada o imbróglio político italiano, aqui ele teve uma reflexão mais filosófica e humanista sobre o mundo pós-crise financeira de 2008.
Seu olhar é mais penetrante e crítico, principalmente pela voz do monge que, desprovido de qualquer conforto material, encarna a razão moral que procura sensibilizar banqueiros e tecnocratas.
Os próprios dirigentes sabem dos reflexos perversos de suas decisões, mas veem a pobreza resultante de suas políticas austeras de estabilidade como efeito colateral, como o hospital bombardeado por engano num conflito no Oriente Médio.
Daniel Roché procura algum alívio na presença do religioso, mas acredita que o futuro não pode ser alterado, ou melhor, não deve ser alterado.
Mesmo assim, ele coloca em dúvida a utilidade de se obter tanto dinheiro, em tão pouco tempo, por meio de ações especulativas nos mercados mundiais. Ao contrário de seus colegas representantes dos Estados Unidos, do Japão, da Alemanha, da Itália, Daniel possui ainda algum verniz intelectual que lhe permite uma reflexão um pouco mais profunda sobre o mundo real.
O filme é lento, seguindo a jornada do monge, mesmo quando um acontecimento inesperado exige respostas e decisões rápidas de todos. Nesse sentido, mais o religioso e a escritora e menos o roqueiro terão condições de confrontar os políticos com a situação incômoda em que se encontram, mesmo que sejam descrentes de alguma mudança.
Talvez as conclusões finais não se sustentem em um mundo em que a força do dinheiro ergue e destrói coisas belas. Como a piada contada pelo dirigente do FMI, sobre um paciente que ao ser submetido a um transplante de coração prefere que o doador seja banqueiro, pois o órgão não terá tido, até então, nenhum uso.
(Por Luiz Vita, do Cineweb)
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