SÃO PAULO (Reuters) - A famosa frase “o horror, o horror” do romance “O Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, também presente na melhor adaptação cinematográfica do livro, “Apocalypse Now”, ecoa em vários momentos no colombiano “O Abraço da Serpente”, concorrente ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Mas não é apenas essa fala que une as duas obras. Em ambas, o olhar do colonizador – no Congo Belga, no romance, e na América Latina, aqui - é quem guia a narrativa que, por sua vez, desvenda os horrores do processo colonizador e, supostamente, civilizatório.
Este é o terceiro longa do colombiano Ciro Guerra, que assina também o roteiro, e inspira-se nos diários do etnologista alemão Theodor Koch-Grünberg e do botânico Richard Evans Schultes, aqui chamados de Theodor (Jan Bijvoet) e Evan (Brionne Davis).
A ação interliga a jornada dos dois pelo rio Amazonas, entre 1909 e 1940, enquanto buscam uma flor chamada yakruna, supostamente com poderes de cura. Eles são guiados por um xamã nativo, Karamakate (interpretado por Nilbio Torres e Antonio Bolivar, respectivamente, nas duas fases), que é o único sobrevivente de um ataque de invasores que dizimou sua tribo.
Guerra parece compartilhar os mesmos interesses de Conrad um século atrás, trocando o Congo Belga pela Amazônia colombiana, igualmente questionando o fracasso do projeto civilizatório, que mais destrói do que cria. A influência europeia se materializa quando um dos exploradores coloca um fonógrafo para tocar o oratório “A Criação”, do alemão Joseph Haydn – num momento que parece um aceno a “Fitzcarraldo”. Há um outro, uma viagem lisérgica, uma clara referência a “2001 – Uma Odisseia no Espaço”.
A bela fotografia em preto-e-branco, de David Gallego, e o cenário tropical remetem ao português “Tabu”, de Miguel Gomes, que também questiona os limites e as consequências da exploração e do colonialismo. É um lamento às perdas humanas e da natureza, da vitória da civilização sufocante frente à “barbárie” da liberdade.
A figura de Karamakate é ao mesmo tempo mítica e trágica, carregando em si o peso de toda a destruição de um povo. O olhar que Guerra lança sobre ele não busca o exotismo, mas o estranho – no sentido freudiano da palavra, ou seja, o Outro, que, ao mesmo tempo, é familiar.
O nativo é tão humano quanto os dois estrangeiros, mas, ainda assim, existe uma dissonância entre as três figuras. Nem o europeu e o americano são iguais, afinal, cada um vem de uma sociedade diferente e são frutos dessa construção. De certa forma, com esse trio, Guerra simboliza dois momentos da colonização e exploração da América Latina: a assumida pelos europeus e a velada pelos americanos.
“O Abraço da Serpente” é longo e demanda atenção, empenho e comprometimento do público. Ao mesmo tempo, oferece em troca uma obra de arte única, uma experiência cinematográfica rara, rica em sua estética e poderosa em seu comentário, que ecoa a frase famosa de George Orwell: “A história é escrita pelos vencedores”.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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