SÃO PAULO (Reuters) - Obra de ficção, a cinebiografia “Snowden – Herói ou Traidor”, de Oliver Stone, dialoga de diversas maneiras com o documentário “Citizenfour”, de Laura Poitras, – e não só porque recria a feitura daquele filme, vencedor do Oscar de sua categoria em 2015.
Na verdade, o trabalho de Stone funciona como um complemento àquele documentário, retratando, com algumas licenças poéticas, os antecedentes, bastidores e consequências de um mesmo evento central – a denúncia pública, por Snowden (Joseph Gordon-Levitt), um ex-funcionário da CIA e da NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA), de mecanismos de espionagem em escala planetária ao jornalista Glenn Greenwald (Zachary Quinto) e à cineasta Laura Poitras (Melissa Leo), num hotel em Hong Kong.
Por mais que se conheça o marcante episódio, que transformou Snowden num fugitivo das autoridades norte-americanas e refugiado na Rússia, o filme mantém o interesse justamente por preencher as lacunas que o documentário não aborda e não teria mesmo razões para abordar. Ou seja, parte da vida pregressa de Snowden como soldado do Exército, sendo ótimo em pontaria mas fraco em quase tudo o mais – especialmente por conta da fragilidade de seus ossos, decisiva para a mudança de carreira.
Querendo servir seu país de outro modo, o jovem mostra talento para análise e programação de sistemas, tornando-se cobiçado por chefes ou instrutores como Hank Forrester (Nicolas Cage) e Corbin O’Brian – este um nome retirado por Oliver Stone do livro “1984”, de George Orwell -, interpretado por Rhys Ifans. Nestes mentores na CIA e NSA é que Stone e seu roteirista, Kieran Fitzgerald, injetaram maiores doses de ficcionalização, fundindo diversas pessoas.
Carreira ascendente, Snowden só tem olhos praticamente para o seu trabalho e para sua namorada, Lindsay (Shailene Woodley) – que, a julgar pelo filme, é a primeira a injetar noções progressistas no espírito um tanto conservador do namorado, que vem de uma família de militares e funcionários públicos federais.
A personagem feminina, na verdade, mostra-se um tanto ingênua, por vezes até irritante – um recurso que o diretor usa para humanizar seu protagonista, que é um bocado nerd, mas introduz, assim mesmo, uma nota dissonante que nem sempre se ajusta ao tom sóbrio geral.
No modo envolvente como retrata as façanhas de Snowden como inventor de programas, em tese destinados à segurança mundial contra o terrorismo mas afinal sendo desviados para a espionagem indiscriminada, é que o filme se sai melhor, conseguindo driblar a aridez deste ambiente com momentos de genuína tensão – como na sequência que mostra como Snowden copiou, num pendrive, as informações ultrassecretas que depois divulgou ao mundo e em que também a licença poética dá um molho.
Sempre se pretendendo uma ficção, o filme não perde de vista sua ligação com a realidade – como a espionagem de líderes mundiais, como a alemã Angela Merkel e a brasileira Dilma Rousseff, cujas imagens aparecem no filme. Barack Obama também é visto mais de uma vez em trechos de noticiários, e não de forma favorável – assim como a candidata democrata, Hillary Clinton, mais ouvida do que vista, de relance. Mas a maior tomada de posição e busca de legitimidade do filme é mesmo a aparição do próprio Snowden, filmado na Rússia, na sequência final.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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