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All-In

Publicado 09.10.2020, 18:56

O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a sexta-feira com o vencimento março/21 negociado a 14.22 centavos de dólar por libra-peso, uma variação positiva de 65 pontos, ou cerda de 14 dólares por tonelada. Como o real se valorizou em relação ao dólar em 2.75% na semana, a variação de preço em reais por tonelada foi de apenas R$ 5 na média para a safra 2021/22 e R$ 6 para a safra 2022/23.

Texas Hold’em é uma das mais populares variantes do jogo de pôquer. Cada jogador recebe duas cartas e pode usar mais cinco cartas comunitárias. Após distribuídas as cartas entre os jogadores e efetuadas as apostas iniciais (quem vai no jogo?) o croupier (carteador) mostra o Flop que consiste em três cartas comunitárias. Agora cada jogador compara o Flop com suas duas cartas na mão e analisa as combinações possíveis para prosseguir ou não no jogo e, se for o caso, fazer suas apostas. A quarta carta comunitária é o Turn seguida de mais apostas. Finalmente, a última carta River seguida da última rodada de apostas.

O mercado de açúcar atual guarda alguma semelhança com o Texas Hold’em. As duas cartas que as usinas “recebem” representam sua produção de açúcar e etanol. Seguem o Flop, as três primeiras cartas comunitárias que simbolizam o tripé comum a toda usina e bem conhecido de todo trader de commodities: a habilidade na negociação do contrato comercial (o basis), o hedge do produto na bolsa de futuros correspondente e a trava do câmbio. E aí, claro. As combinações possíveis dentro da competência de cada empresa, determinam quem está bem no jogo.

Estar bem no jogo sugere que as usinas focaram na rentabilidade de suas operações e não perderam oportunidade de fixar seus açúcares de exportação. E o fizerem de maneira disciplinada quebrando o recorde de percentual fixado para uma safra que nem foi colhida e moída ainda.

Para ilustrar, durante o mês de setembro de 2020 as usinas fixaram um volume aproximado de 1.625.000 toneladas de açúcar para embarque previsto na safra 2021/2022. Dessa forma, o total fixado estimado para a próxima safra acumula 8.125.000 milhões de toneladas de açúcar ao preço médio apurado de 12.38 centavos de dólar por libra-peso, sem considerar o prêmio de polarização.  O valor médio da fixação cumulado na safra é de R$ 1,495.39 por tonelada FOB Santos (com pol).

Depois do Flop faltam o Turn e o River. Essas duas cartas podem mudar completamente o panorama do jogo. Elas seriam a expressão dos fatores exógenos que fogem do nosso controle no exato momento em que estamos focando no mercado e nas inúmeras possibilidades de retorno que nossos negócios propiciam. São muitas cartas no baralho.

Mas, essas duas aleatórias exprimem a superabundância de fatores que são decisivos no resultado final e fazer a usina ganhar o pote. São elas: o tombo nos consumos mundial de açúcar e combustível, o efeito do primeiro na formação de um superávit mundial que pressionaria os preços, o efeito do segundo na formação de preço do hidratado, a desvalorização do real em relação ao dólar que depende da habilidade do governo Bolsonaro de implementar as reformas, o prosseguimento da política de subsídios da Índia que encara um déficit fiscal de 13.7% do PIB, o real efeito da seca na próxima safra, entre outros.

E nesse jogo, qual o papel dos fundos que hoje detém uma posição comprada de 220.000 lotes que representam mais de onze milhões de toneladas de açúcar?  O fundo é o grande blefador, figura constante em toda mesa de pôquer. É o cara que vai apostar mais do que tem fazendo com que o seu oponente (as usinas) fujam do jogo. A lógica (os fundamentos do mercado) neste momento mostram um certo exagero na trajetória de preços

Ora, um mercado que negocia a um valor presente de R$ 1,694 por tonelada para a média da safra 2021/22 (vencimento maio/21 até março de 22) só pode impedir as usinas de dar um all-in (situação no pôquer em que o jogador aposta todas as fichas que possui), ou seja, fixar o máximo possível, se elas acreditam no blefe.

Vamos, pois, aos números. De janeiro de 2011 até hoje, excetuando-se a safra 2016/2017 que foi completamente atípica, o preço médio nominal observado no período foi de R$ 1,040. Se corrigirmos pelo IGPM, ele fica em R$ 1,494. Dessa forma, o valor presente nominal de R$ 1,683 por tonelada citado acima, é o maior em 99.8% dos dias observados no período. Se quisermos corrigir os valores pelo IGPM, ele é o maior em 77.8% das vezes.

Claramente nunca estaremos livres de cisnes negros. Se existe a possibilidade desses preços do açúcar em NY subirem ainda mais, a recomendação é fixar os açúcares de exportação em reais por tonelada e comprar calls (opções de compra) out-of-the-money (opções fora-do-dinheiro) com preço de exercício uns 200 pontos acima do nível fixado no mercado em NY, em centavos de dólar por libra-peso. Um seguro que vai custar, pelo fechamento de sexta, aproximadamente 45 pontos (equivalente a R$ 55 por tonelada de desembolso, mas que pode retornar parcialmente quando o seguro não se fizer mais necessário).

Os fundos podem continuar a elevar os preços apesar de os fundamentos dizerem ao contrário, afinal nós já vimos esse filme outras vezes e mesmo esfregado na nossa cara, olhamos para o outro lado. A mais recente ocorrência foi no final de 2016 quando o açúcar negociava próximo de 24 centavos de dólar por libra-peso enquanto o hidratado era comercializado a 800 pontos de desconto em relação ao açúcar, que por si só indicava que alguma coisa estava fora de prumo. Hoje o hidratado está negociando a 300 de desconto e é bom ficar de olho.

A falta de um plano de governo afugenta o investidor estrangeiro. Como curiosidade, o primeiro mandato de Lula apresentou uma volatilidade do dólar 14% anualizada; o primeiro mandato de Dilma a volatilidade caiu para 13.7%; no mandato tampão de Temer experimentamos 15%. Com Bolsonaro, subiu para 17.5%. Ou seja, a percepção de risco do mercado nunca esteve tão ruim.

Tenham um excelente final de semana.

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