Após o mercado doméstico digerir melhor a votação na Câmara dos Deputados na quarta-feira - em um resultado que mais se pareceu a uma “vitória de Pirro” do governo – as atenções se voltam ao cenário externo nesta sexta-feira. Sem saber se o placar que garantiu o presidente Michel Temer no cargo será suficiente para levar a cabo a agenda de reformas no Brasil, o radar dos investidores concentra-se nos dados de emprego nos Estados Unidos.
Por aqui, os investidores estão mais atentos aos próximos passos do governo, após o arquivamento da denúncia pelo crime de corrupção passiva contra presidente. Mas o comportamento arrastado dos ativos brasileiros ontem mostra que houve uma leitura díspar sobre a vitória de Temer.
Se por um lado, os investidores passaram a acreditar que o governo deve retomar a agenda de reformas, acelerando a tramitação das novas regras da Previdência; por outro, o placar denota que a base aliada não é tão sólida. Na votação de quarta-feira, nenhum partido governista foi 100% fiel.
Para angariar o apoio necessário e se livrar da denúncia, o governo lançou mão de um “pacote de bondades” que pode agravar ainda mais as contas públicas, comprometendo a meta fiscal deste ano. Mesmo assim, na votação da denúncia, foram 263 deputados a favor - um placar abaixo do obtido na aprovação da proposta (PEC) de teto dos gastos, no ano passado.
Tal resultado denota o enfraquecimento do governo e não garante vitória da Previdência na Câmara. Para passar, a medida precisa de 308 votos. Portanto, é difícil interpretar que o placar de quarta-feira foi um sinal inequívoco de que Temer conseguirá aprovar novas reformas que mudam a Constituição e que precisam do aval de três quintos do Congresso.
Com o total de votos ainda insuficiente para aprovar a reforma da Previdência, o governo precisará fazer mais concessões para garantir governabilidade. Mas o preço pode ser ainda mais alto, uma vez que novas denúncias contra Temer estão por vir, já que o presidente também é investigado por crimes de obstrução de Justiça e organização criminosa.
O governo calcula que tem margem para trabalhar mais 80 votos entre os parlamentares e a equipe econômica deve começar já na próxima segunda-feira um corpo a corpo no Congresso pela reforma da Previdência, que tem prioridade frente à reforma tributária. Porém, a base aliada quer agora concentrar os esforços na aprovação da reforma política, que precisa ser aprovada em 60 dias para mudar o sistema político-eleitoral já em 2018.
Ainda assim, a reforma política não deve esvaziar a agenda econômica. Ontem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse esperar que a reforma da Previdência seja aprovada até outubro e que convenceu o presidente da Câmara Rodrigo Maia a colocar a matéria em votação na Casa até o início de setembro. Em seguida, a reforma do sistema tributário pode ser votada, até novembro.
Além disso, o Congresso precisa votar as medidas provisórias que estão para caducar, entre elas a MP que cria a Taxa de Longo Prazo (TLP), em substituição à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Na prática, a TLP favorece o setor financeiro e encarece o crédito ao setor produtivo, que tinha na TJLP do BNDES um custo do empréstimo bem mais barato.
Seja como for, a votação da denúncia do presidente na Câmara desenha um cenário cada vez mais favorável para um novo mínimo histórico dos juros brasileiros em breve, pois o resultado tira da frente uma nova turbulência política. O momento benigno da inflação também é utilizado como argumento para que haja uma continuidade nos cortes da Selic rumo à faixa de 7%. Com a taxa básica tão baixa, o afago aos bancos veio da TLP...
Enquanto isso, lá fora, como acontece geralmente na primeira sexta-feira de cada mês, os mercados internacionais estão em compasso de espera pelo relatório oficial sobre o mercado de trabalho norte-americano (payroll). A previsão é de criação de 180 mil vagas no auge das férias de verão nos EUA, com a taxa de desemprego caindo a 4,3%.
Os números oficiais de julho serão conhecidos às 9h30 e tratam-se do único indicador de peso previsto para o dia. Enquanto espera o dado para confirmar as apostas de que a próxima alta na taxa de juros norte-americana deve ocorrer em dezembro, o dólar tenta manter a recuperação ante as moedas rivais, com os investidores se protegendo de uma eventual surpresa positiva no dado. Mas o euro e a libra esterlina avançam.
Os índices futuros das bolsas de Nova York estão na linha d'água, com Wall Street mais preocupada com os últimos episódios em Washington. A convocação de um grande júri para investigar as alegações de interferência da Rússia nas eleições de 2016 eleva a tensão nos negócios, em meio à expectativa de que possa haver evidência de crime no caso.
Na agenda doméstica, destaque apenas para os indicadores antecedentes sobre a indústria automotiva em julho (11h20). Entre os eventos de relevo, o ministro Meirelles e o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, estão em São Paulo, onde cumprem uma agenda pública.