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O Que é Descentralização e Como o Mercado Pode Disciplinar Isso?

Publicado 06.03.2019, 12:11
Atualizado 02.09.2020, 03:05
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O Bitcoin não foi a primeira tentativa de dinheiro virtual. Como podemos imaginar, dinheiro é um assunto muito importante para não serem desenvolvidas pesquisas para desenvolver melhores meios de pagamento ou reservas de valor. Experimentos como o DigiCash e BitGold são famosas tentativas anteriores que não foram tão bem-sucedidas quanto a atual safra de criptomoedas. A história do Bitcoin passa por diversas inovações anteriores que possibilitaram a implementação da solução de Satoshi Nakamoto. Dentre essas técnicas, normalmente enfatizamos as questões criptográficas, porém há um outro conjunto de soluções que tornaram as blockchains relativamente úteis: as organizacionais.

Uma questão extremamente relevante é relacionada ao discurso, já cliché, de que blockchains poderiam substituir cartórios. Essa frase vem da ideia de que blockchains registram de maneira confiável o que quer que insiram nelas. O sistema contábil atual busca, de outra maneira, reduzir erros. No incrível texto de Ian Grigg, em 2005 já se discutia como o sistema contábil evoluiu e como algum dinheiro digital seria um passo natural nessa evolução. Atualmente, toda entrada e saída em um livro contábil se refletem, idealmente, em saídas e entradas em outro livro de outro player. Esse sistema, criado no século XV, foi fundamental para a evolução da confiança entre empresas e governos, porém possui problemas de escalabilidade quando as empresas crescem excessivamente e a rede de companhias fica mais complexa. As blockchains resolvem isso, publicizando de maneira razoavelmente segura a entrada, a saída e (partes dos) livros de cada participante. Haveria, portanto, como evitar fraudes e falhas de maneira algorítmica pela simples evolução organizacional que as blockchains representam.

Onde há a possibilidade de dados públicos – evidentemente não é desejável para todas firmas que suas transações sejam públicas – as blockchains teriam utilidade se forem de fato seguras. Contudo, há atualmente muitos questionamentos vindo da academia e práticos a respeito da segurança e descentralização do Bitcoin e demais criptomoedas. Com as recentes demonstrações de poder de mineradores e desenvolvedores – fork do Ethereum cancelado unilateralmente, mining war entre BCH e BSV, estratégia de desenvolvimento da Tron, entre inúmeras outras – temos que talvez tenha se tornado vazio falar de descentralização. Ainda acho que essa questão é insuficiente e mostra falta de rigor conceitual a respeito de blockchains públicas, porém deve ser respondida por times de desenvolvimento ou pesquisadores favoráveis às blockchains. Da minha parte, acredito que não há um conceito fechado de descentralização, mas também isso não implica em negar o potencial das criptomoedas.

Prossigo, a descentralização é multidimensional: mineração é um mercado quantitativo; desenvolvimento é uma organização que provê de maneira monopolística algum bem para uma concorrência. O primeiro pode ser acompanhado via métricas tradicionais de poder de mercado em indústrias, o segundo é bem mais sutil, mas pode importar ferramentas de governança corporativa. Em todo o caso, ambos os escopos estão subscritos a um mercado que a abandonaria a inovação se ela não for útil, ou seja, a descentralização, se for útil, será defendida nas duas frentes. Resta saber se é útil. A questão organizacional é, dessa forma, parte central do que uma criptomoeda é. As blockchains incorporam a evolução de questões contábeis, com segurança relativamente alta. Há também outras aplicações como meio de pagamento, reserva de valor e muitas outras sendo desenvolvidas. Se for útil descentralização em todos os níveis para isso, a tendência é que times mais conservadores e com poder distribuído sejam recompensados.

Por agora, há uma forte incerteza, mas definitivamente não há como negar que as blockchains são frutos de uma inovação institucional que parecem estar passando por um momento difícil, mas que em dez anos fomentaram uma grande comunidade de investidores e desenvolvedores altamente capacitados. Não há motivos para rejeitar o que está acontecendo, em particular os projetos mais sérios e com identidade clara, em particular o Bitcoin. Creio de, da perspectiva organizacional, haja poucas barreiras a exercícios de poder de core developers. Nisso, as discussões sobre organização jurídica de criptomoedas por Vlad Zamfir, core developer da Ethereum, são importantes (apesar de eu acreditar que ele está fundamentalmente errado em muitas questões que levanta; isso, no entanto, é papel para o próximo texto).

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