Janet Yellen, presidente do FED (Federal Reserve – Banco Central dos Estados Unidos), assistiu de camarote o encontro anual de banqueiros centrais mundiais realizado no mês passado em Jackson Hole. A estratégia, naquele momento, era pressionar Mario Draghi, presidente do BCE (Banco Central Europeu), a sair da acomodação excessivamente dovish de seu programa de compras mensais.
O FED estava literalmente incomodado em antecipar qualquer novidade relacionada ao seu programa de normalização monetária, já que o BCE estava se locomovendo em rota agressivamente dovish, impactando fluxos financeiros e preços dos ativos, principalmente no mercado de bonds e de moedas.
Agora, esse incômodo não existe mais. O BCE já sinalizou que vai encarar o mercado em sua próxima reunião de Comitê e anunciar o cronograma para redução do volume de compras mensais de ativos. Quase que imediatamente, o BoE (Bank of England) passou a mostrar possibilidade de aumento da taxa básica de juros nos próximos meses.
A pausa no viés extremamente dovish das duas principais autoridades monetárias na Europa criou uma janela de oportunidade para o FED deixar de ser tão cauteloso quanto nos bimestres anteriores e voltar a engrossar sua voz no mercado.
Para se livrar da exagerada fantasia dovish, o FED precisa apenas anunciar os detalhes do seu plano de desalavancagem financeira. Por mais que a desalavancagem desta fase inicial comece num volume muito pequeno (inexpressivo) e num ritmo muito gradual, o simples fato de dar o pontapé, com o comunicado adequado, será um importante driver para acertar os preços dos ativos esticados demais no curto prazo.
O dólar contra cesta de moedas globais é o grande alvo a ser perseguido. A significativa derrocada da moeda norte-americana neste ano criou efeito cascata de busca por oportunidades em ativos de risco em várias praças financeiras mundiais. O capital tem circulado em plena euforia nos mercados globais, retroalimentando o clima extremamente otimista.
O FED, obviamente, não está preocupado com o elástico esticado (ao menos no curto prazo) em alguns ativos de praças financeiras de economias desenvolvidas e emergentes. A preocupação é com o nível baixo da moeda norte-americana e seus impactos sobre a inflação, confiança e trajetória de crescimento.
O ponto técnico da moeda norte-americana também é propício para aumentar a eficácia de uma possível atuação de defesa do FED. O dólar contra cesta de principais moedas globais acaba de perder a principal sustentação de médio prazo, localizada no ponto de apoio de 2015 e 2016, na mesma região da média móvel simples de 200 períodos semanal.
Um comunicado mais firme, diferente do tom extremamente dovish das últimas reuniões, poderia jorrar um pouco de receio ou medo no mercado de capitais, influenciando investidores, atualmente muito expostos aos ativos de risco, a procurarem proteção no dólar, inflando, portanto, a força compradora na moeda.
Na hipótese de ressurgimento de predominância da força compradora no dólar, um bear trap seria fatalmente armado, forçando investidores vendidos na moeda a desmontarem suas posições, o que só alimenta a força do potencial de upside.
Além disso, os rendimentos das Treasurys respaldam o espaço para a estratégia de defesa da moeda. O título do tesouro norte-americano com vencimento em 10 anos está pagando 2,23%, relativamente próximo da mínima de 2017 e muito distante do objetivo de longo prazo/taxa neutra para a Fed Funds Rate (hoje estimado em 3% ao ano). O rendimento, portanto, mostra excesso de expectativa do mercado com uma rota muito dovish que o FED não tem condições de perseguir nos próximos anos.
Até o presente momento, não somente os investidores e players no mercado de capitais, como os demais banqueiros centrais de países emergentes ou em desenvolvimento estão surfando a onda dovish do FED, BCE e BoE.
O Bank of Russia, por exemplo, assim como o Bacen, aproveita o bom momento para cortar ao máximo sua taxa básica de juros. Na semana passada, a autoridade monetária da Rússia cortou a taxa de juros de 9% para 8,5% e adiantou que esse movimento poderá se repetir durante os próximos dois trimestres.
Com o dólar até então vendido no mundo inteiro, as moedas locais, consequentemente, estão mais fortes. Esse quadro tem se sido altamente benigno para inflação, favorecendo recuo dos índices oficiais em vários países.
Para a infelicidade de banqueiros centrais (como o brasileiro) que surfam esse bom momento externo, a manutenção desse quadro benigno no câmbio ao longo dos próximos trimestres (ou do próximo ano) está cada vez mais difícil. Caso o instinto do FED se confirme, a defesa do dólar poderá influenciar efeito cascata em mudanças de estratégias de política monetária nos próximos trimestres.