Enquanto escrevemos estas linhas não sabemos ao certo qual o resultado da votação do impeachment na Câmara neste domingo (dia 17). Não parece difícil, no entanto, prever. Até a sexta-feira, dia 15, eram 346 votos a favor do impeachment, 128 contrários, 14 indecisos e 25 que não responderam. Pelas nossas apostas deve ter chegado a 380 votos para a oposição e 132 para o governo. Fim de papo. Fatura liquidada. O parecer do deputado por Goiás, Jovair Arantes, seria então enviado ao Senado, que votará o afastamento da presidente Dilma em 180 dias. Assume o vice-presidente Michel Temer, sendo grandes as chances dele se manter até 2018. Poucos acreditam que o Senado vote de forma contrária à Câmara. Pelo menos, em situações parecidas isto nunca aconteceu. Dizem que a presidente Dilma, e seu séquito, devem se “entrincheirar” neste período no Palácio da Alvorada. Para o bem do País, achamos que ela deveria renunciar, mas não o fará.
Mesmo assim, pensando no governo de transição Temer, seu maior desafio será reverter o “banzo” que se instalou pelo Brasil nos últimos tempos. Como reverter a paralisia atual da economia? As demissões das empresas? Uma maneira de mitigar este clima pessimista será Temer anunciar um “ministério de notáveis” e, também, medidas, mais focadas no corte de despesas estruturais. Não dá mais para serem adiadas possíveis medidas impopulares.
Temer precisará mostrar a que veio, talvez resgatando muito do programa “Uma ponte para o futuro” (não tudo, dadas as incertezas no front político na aprovação de medidas impopulares). Achamos, no entanto, que clareza e sinceridade serão pré-requisitos essenciais para tentar reconquistar a confiança dos agentes.
Visando resgatar o chamado animal spirits keynesiano, o ânimo dos empresários em voltar investir, Temer precisará adotar medidas fortes de ajuste fiscal mais, ao mesmo tempo, tentar indicar direções ao País. Seu discurso será mais privatista, anunciando que o governo deve se limitar aos setores essenciais (saúde, educação, segurança), abrindo espaço para o setor privado, sem dúvida em contraponto aos governos do PT. Comenta-se sobre “transferências de ativo”, ou seja, novas privatizações ou concessões, assim como novas Parcerias Público-Privado.
Uma readeaquação do Estado deve ser anunciada, com ampla reforma ministerial, reduzindo o seu número de 32 para, ao menos 20. Será necessário também o enxugamento da máquina pública, com cortes em 30 mil cargos de confiança. Neste caso, mais do que tudo será importante “desaparelhar a máquina” do governo anterior, até porque estes, se mantidos, devem prejudicar o atual. Neste contexto, uma nova costura política será necessária, mas uma preocupação de Temer será formar maioria para a aprovação no Congresso da agenda de reformas necessária. Temer deve assumir com uma base parlamentar já garantida em torno de 250 deputados, incluindo aqui os do PMDB, do PSDB e do DEM, além de partidos menores. Precisará de mais, até porque a Reforma da Previdência é prioridade, assim com a Tributária, a Trabalhista, sem esquecer a Política, para muitos a mais importante de todas. Isto porque é opinião corrente a falência do chamado “presidencialismo de coalizão”, modus operandi da governabilidade do País desde o distante 1988, quando da promulgação da nova Constituição Federal (CF), conhecida como “Constituição Cidadã”.
A partir disto, o Executivo acabou tendo que ceder espaço para todos os partidos, loteando cargos e ministérios. Acabou “cooptado pelo Congresso”, base da sua governabilidade nestes últimos quase 30 anos. Este ponto, aliás, é analisado também por Eduardo Gianetti da Fonseca e Samuel Pessoa, economistas ligados ao PSB e PSDB, respectivamente. Para Eduardo Gianetti, a crise atual possui raízes na Constituição de 88 e no desgoverno da presidente Dilma nestes últimos anos. São duas crises, uma de natureza política, já citada acima, e outra de natureza econômica.
Nesta última o que se observa é que, nestes anos todos desde 1988 houve um esgotamento no ciclo de expansão fiscal, iniciado com a CF. Apenas para exemplo. Em 1988, a carga fiscal, de 24% do PIB, algo normal para países de renda média, nestes anos todos saltou para 36% agora em 2016. Ou seja, as várias demandas da sociedade, as necessidades de um “cinturão de seguridade social”, acabaram atendidas, mas deixando distorções na capacidade de operar deste Estado mastodôntico e inchado, baseado no “bem estar social” europeu.
Para este ano, por exemplo, segundo a LDO, o déficit fiscal deve ficar em torno de R$ 96 bilhões, 1,5% do PIB, já considerando a frustração de receitas, o mesmo acontecendo em 2017. Para este as estimativas oficiais indicam um déficit de R$ 104 bilhões. Achamos, no entanto, que tanto neste ano como no próximo o déficit primário deve passar de R$ 120 bilhões, impactando ainda mais na dívida bruta, prevista acima de 70% neste ano e 80% no próximo.
Corroborando para isto, um regime previdenciário que, pelo lado das despesas obrigatórias, representa mais de 60% do total orçado. Sobre a dívida da Previdência, neste ano deve passar de R$ 130 bilhões, depois de ir a R$ 90 bilhões no ano passado.
Em suma, urge a necessidade de uma agenda “pesada” de reformas, sendo a mais imediata a da Previdência. Nesta comenta-se sobre a necessidade aprovar o aumento da idade mínima, nos homens para 65 anos e nas mulheres para 60, além de desvincular o salário mínimo para os benefícios, unificar os dois regimes, do setor público e do privado, dentre tantas outras medidas. Cabe, no entanto, indagar se este governo de transição terá espaço político para tanto. Acreditamos até que ele deve ter um período de trégua na sua base de apoio, uma “lua de mel”, não se esperando o mesmo da oposição, capitaneada pelo PT, e outros partidos de esquerda, como PSOL, PC do B e Rede. Mesmo assim, espera-se um período para a montagem da agenda, em muito, baseada no programa “Uma ponte para o futuro”, mas claro com nuances, dada o ambiente ainda muito tensionado politicamente.
Finalmente, falando do “ministério de notáveis”, no chamado núcleo duro, aqueles na qual a formulação de estratégias, de políticas públicas sustentáveis são essenciais. Vejamos alguns nomes:
Na Fazenda, Armínio Fraga, muito comentado, deve atuar como conselheiro, com dois nomes surgindo como prováveis ministros, Henrique Meirelles, mais próximo a Temer, e Marcos Lisboa, um dos formulares do programa do PMDB. Na presidência do BACEN o nome de Ilan Goldaijn, economista do Itaú (SA:ITSA4), surge como o mais cotado. No Ministério da Justiça, Nelson Jobim perde força, por envolvimento com as empreiteiras do Lava-Jato. Abre-se espaço então para Carlo Ayres Brito e Carlos Veloso. Na Casa Civil, Eliseu Padilha é um nome comentado, mas não podemos esquecer o líder interino do PMDB, Marcelo Jucá. Na Saúde ou no Planejamento, José Serra surge como um nome forte, até pavimentando caminho para as eleições de 2018. Paulo Hartung, governador do Espírito Santo, também é um nome ventilado para compor a equipe de notáveis. No resto, composições e acordos políticos acabarão inevitáveis.
Enfim, são variadas conjecturas, mas o mais importante será o governo Temer pavimentar a estrada da boa governança, da previsibilidade e da transparência para os agentes econômicos. Este, aliás, é um fato a ser destacado. Seu objetivo é criar condições para o setor privado voltar a deslanchar. Será, com certeza, um longo caminho para que o País se acerte com o seu futuro. Será um período duro, mas essencial para sair do impasse atual e da baixa governabilidade.