Brasília (DF), 15 de agosto de 2017.
Apontamentos do presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn
Jantar Poder360 - ideias
Introdução
Boa noite a todos. Muito obrigado pelo convite e pela oportunidade de trazer a público nossa visão sobre a conjuntura econômica, tanto brasileira quanto internacional, e também de falar sobre a Agenda BC+ que estamos promovendo.
O cenário econômico
Atividade
Após dois anos de recessão, dados recentes confirmam o cenário de estabilização da economia e mostram perspectivas de retomada gradual da atividade econômica.
Evidências sobre a recuperação e o seu ritmo poderão ficar mais claras ao longo dos próximos meses, mas já há sinais recentes:
No primeiro trimestre deste ano, em comparação aos três meses anteriores, a economia brasileira cresceu 1%. É uma taxa de crescimento forte, refletindo o desempenho muito bom da atividade agrícola. Lembro que não apenas esse setor, mas também indústria e serviços mostraram sinais de recuperação. O setor externo tem contribuído para essa retomada, com o crescimento das exportações, de 4,8%, superando o crescimento das importações, de 1,8%.
Após o bom desempenho do primeiro trimestre, os dados do segundo trimestre mostraram recuperação gradual. A população ocupada cresceu 0,6% no segundo trimestre e houve criação líquida de postos de trabalho no mercado formal no primeiro semestre, em julho houve a criação de 36 mil vagas, o quarto mês consecutivo com resultado positivo.
o A produção industrial tem oscilado entre dados positivos e negativos, mas cresceu 1,2% no semestre e teve dois trimestres consecutivos de crescimento, o que não ocorria desde 2014.
o Além disso, dados de alta frequência mostram recuperação gradual de indicadores, como os de vendas do varejo, onde o crescimento mensal em junho foi de 1,2%, na denição estrita de varejo, e de 2,5%, na definição ampliada.
É importante observar os dados de atividade nos próximos meses para verificar se esse cenário de recuperação irá se consolidar.
Recentemente, o aumento de incerteza percebida pelos agentes econômicos impactou negativamente os índices de confiança. Entretanto, a informação disponível sugere que o impacto da queda de confiança na atividade tem sido, até o momento, limitado, permanecendo compatível com o cenário básico do BC, que contempla a estabilização e a recuperação graduais da economia brasileira.
Cenário internacional
O cenário internacional benigno tem contribuído para um ambiente mais sereno nos mercados de ativos brasileiros.
De fato, o cenário externo tem se mostrado favorável, na medida em que a atividade econômica global tem se recuperado gradualmente sem pressionar as condições financeiras nas economias avançadas.
O arrefecimento de possíveis mudanças de política econômica em alguns países centrais também contribui para a redução das incertezas.
Esse ambiente tem colaborado para a manutenção do apetite ao risco por ativos de economias emergentes.
Inflação
Dados mensais têm mostrado queda substancial da inflação desde o último trimestre do ano passado.
A queda recente da inflação tem vários motivos, inclusive a ociosidade dos fatores. Mas é interessante observar que, apesar de a recessão ter se iniciado há mais de dois anos, a inflação resistiu à queda até o terceiro trimestre do ano passado.
Em 2015 houve choque de incerteza e correção de preços administrados. A reação da economia nos últimos dois anos mais se assemelhava àquela promovida por um choque de oferta, com queda de atividade convivendo com alta de inflação. A expectativa de que a fraca demanda fraca e a ociosidade dos fatores (emprego, capital) se refletiria em uma inflação menor não se materializou até o final do ano passado.
De fato, a inflação acumulada em 12 meses caiu modestamente de 10,7% em dezembro de 2015 para 9,0% em agosto de 2016, e apenas acelerou a queda substancialmente neste ano, atingindo 2,7% em julho (veja Gráfico 1).
De fato, recentemente o trabalho tem sido efetivo em conter a inflação e ancorar as expectativas, como mostram os dados que apresentarei agora:
As expectativas de inflação apuradas pela pesquisa Focus recuaram para em torno de 3,5% para 2017 e 4,2% para 2018, encontrando-se em torno de 4,25% para 2019 e de 4,0% para 2020.
Não apenas as expectativas de mercado, mas também as projeções do Copom, vêm recuando. No cenário que supõe evoluções da taxa de juros e do câmbio extraídas da pesquisa Focus, as projeções para a inflação acumulada em doze meses atingem valor mínimo no terceiro trimestre do ano corrente e elevam-se nos últimos meses do ano para em torno de 3,6% em dezembro. Parte dessa diferença em relação à meta de 4,5% para 2017 pode ser atribuída aos efeitos primários do choque favorável nos preços de alimentos. Nesse cenário, que supõe trajetória de juros que alcança 8,0% ao final de 2017 e 2018, a trajetória da inflação atinge 4,3% em 2018.
De forma geral, o comportamento da inflação permanece favorável. O processo de desinflação se difundiu, se consolidando nos componentes mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária. Assim, até o momento, os efeitos de curto prazo do aumento de incerteza quanto ao ritmo de implementação de reformas e ajustes na economia não se mostram inflacionários nem desinflacionários.
Com relação ao aumento recente de PIS/Confins sobre preços de combustíveis, estima-se impacto total na inflação medida pelo IPCA de aproximadamente 0,45 ponto percentual, distribuído entre os meses de julho e agosto, com maior concentração em agosto. Parte desse impacto já estava contemplada nas projeções condicionais do Copom.
Essas oscilações pontuais – em particular a dos reajustes de preços de combustíveis e de energia elétrica, que têm sido mais voláteis – não têm, entretanto, implicação relevante para a condução da política monetária.
A política monetária no contexto atual
Em face das expectativas de inflação ancoradas em torno da meta, da inflação em queda, e do alto grau de ociosidade na economia, a taxa Selic recuou 500 pontos-base desde outubro de 2016 e há expectativa de quedas adicionais à frente.
Em sua última reunião, o Copom decidiu, por unanimidade, pela redução da taxa básica de juros em um ponto percentual, para 9,25% a.a., sem viés. A convergência da inflação para a meta de 4,5% no horizonte relevante para a condução da política monetária, que inclui o ano-calendário de 2018, é compatível com o processo de flexibilização monetária.
Para a próxima reunião, a manutenção deste ritmo dependerá da permanência das condições descritas no cenário básico do Copom e de estimativas da extensão do ciclo. O ritmo de flexibilização continuará dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos, de possíveis reavaliações da estimativa da extensão do ciclo e das projeções e expectativas de inflação.
O processo de flexibilização monetária tem levado à queda das taxas de juros reais (juros nominais menos inflação), apresentando valores próximos aos mínimos históricos. Várias medidas confirmam esse fato:
A taxa real ex-ante, medida pela taxa de juros prefixada para 12 meses (do mercado de swap DI) menos a inflação esperada também em 12 meses, chegou a alcançar em torno de 9% a.a. em setembro de 2015. Permaneceu relativamente estável ao longo de 2016, em torno de 7%, e desde dezembro de 2016 vem declinando, alcançando 3,3% a.a. atualmente (Veja Gráfico 2).
Quando usamos a trajetória Selic do Focus (em vez de juros prefixados) para os próximos 12 meses para calcular os atuais juros reais, encontramos o valor de 3,0%.
Quando inferidos os juros reais dos títulos NTN-Bs indexados ao IPCA de 12 meses, houve declínio para o patamar atual de 3,3%.
O patamar atual de taxa de juros real, no intervalo de 3,0% a 3,3%, é baixo do ponto de vista histórico brasileiro e tende a estimular a economia.
De fato, as taxas de juros reais históricas no Brasil eram acima de 20% na década de 90, passaram para em torno de 10% na década passada, e chegaram a uma média de 5% nos últimos anos.
Há substancial incerteza nas estimativas da taxa de juros estrutural da economia, que precisam ser continuamente reavaliadas.
É necessário continuar os esforços de reduzir a taxa de juros estrutural. Nesse sentido, a aprovação e a implementação das reformas, notadamente as de natureza fiscal e creditícia, e de ajustes na economia brasileira que mantenham as contas públicas em equilíbrio, são fundamentais para a sustentabilidade da desinflação e para o funcionamento pleno da política monetária.
A extensão do ciclo de flexibilização monetária dependerá de fatores conjunturais e das estimativas da taxa de juros estrutural da economia brasileira. A evolução do processo de reformas e ajustes necessários na economia (principalmente das fiscais e creditícias) é importante para a queda das estimativas da taxa de juros estrutural. Essas estimativas continuarão a ser reavaliadas pelo Copom ao longo do tempo.
Riscos atuais para o cenário
Há riscos para o cenário básico:
1. A incerteza sobre a velocidade do processo de ajustes e reformas na economia (principalmente das fiscais e creditícias) permanece como fator de risco principal.
2. O cenário externo, apesar de favorável no momento, ainda apresenta riscos associados ao processo de normalização da política monetária em economias centrais, às mudanças de política econômica em algumas economias centrais, e à possível redução do apetite ao risco por ativos de economias emergentes.
3. Há riscos que podem reduzir a inflação. A acentuada desinflação dos preços de alimentos e de preços industriais pode ter efeitos secundários (isto é, além do impacto direto) na inflação. Notadamente, essa desinflação pode contribuir para quedas adicionais das expectativas de inflação e da inflação em outros setores da economia.
4. Como já mencionei, há que se monitorar o ritmo de recuperação da economia, que pode ser mais (ou menos) demorado e gradual do que o antecipado.
A Agenda BC+
O BC tem atuado em várias frentes dentro da sua agenda de trabalho BC+. O objetivo é reduzir a taxa estrutural de juros da economia, aumentar a cidadania financeira, aprimorar o arcabouço legal que rege a atuação do BC, aumentar a eficiência do sistema financeiro e, também, reduzir o custo de crédito.
Alguns exemplos recentes de medidas sendo implementadas na Agenda BC+:
1. Simplificar e modernizar os instrumentos de captação do Banco Central.
2. Melhorar as garantias e a informação disponível do sistema para reduzir o spread bancário
3. Tornar o uso do cartão de crédito mais eficiente e barato.
4. Modernizar a taxa de remuneração do BNDES
5. Atualizar o marco legal de punições do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
Comentários Finais
Até o momento, as condições econômicas se mantiveram estáveis a despeito do impacto, sobre os índices de confiança, do aumento de incerteza quanto ao ritmo de implementação de reformas e ajustes na economia. Isso permitiu a manutenção do ritmo de estabilização e de recuperação gradual da economia, a manutenção do comportamento favorável da inflação e a continuidade do ritmo da flexibilização da política monetária.
A economia brasileira apresenta hoje uma maior resiliência, devido à situação mais robusta de seu balanço de pagamentos e ao progresso no processo desinflacionário e na ancoragem das expectativas.
A continuidade dos ajustes e reformas será importante para o equilíbrio da economia, com consequências favoráveis para a desinflação, para a queda da taxa de juros estrutural e para a recuperação sustentável da economia brasileira.