No início dos anos 2000 o Governo Federal permitiu que trabalhadores investissem parte seu seus recursos do FGTS em ações da Petrobras (SA:PETR4) e da Vale (SA:VALE5), uma novidade muito bem vinda à época pois permitiu àqueles com depósitos presos no fundo, investir em ativos com uma perspectiva mais interessante de valorização. Os anos seguintes foram só festa, com o ciclo de valorização das commodities que se verificou as cotações das ações dispararam e o saldo do FGTS idem.
Porém com o fim do ciclo de alta e com os problemas de gestão enfrentados principalmente pela Petrobras, boa parte dos ganhos foi devolvida, a euforia se transformou em frustração, deixando em todos um gosto amargo pela “perda” auferida. No entanto poucos se preocuparam em saber qual teria sido o retorno caso a aplicação não fosse executada lá na sua origem, ou seja, se as taxas originais do fundo (TR + 3%) teriam apresentado um melhor retorno?
Pois na semana passada li uma matéria em que o jornalista informava que, apesar de toda a volatilidade recente, o retorno total auferido hoje de quem optou pelas ações ainda é superior ao de quem deixou o dinheiro a TR+3%, logo o gosto não deveria ser tão amargo assim.
Busco este exemplo pois ele evidencia bem um fenômeno comum ao ser humano, o de aversão a perdas, não lidamos bem ao perder dinheiro, mesmo com a convicção de que a perda tenha sido originada de uma decisão racional com alto potencial de ganhos e o pior, relativizamos os resultados. Quem investiu os recursos do FGTS em ações e acompanhou o saldo do fundo assumiu como capital os valores memorizados nos picos verificados entre 2007 e 2009, ou seja o sentimento ruim de não ter sacado os recursos naquele momento é maior do que a satisfação de saber que o retorno total ainda é positivo.
Este viés de comportamento começou a ser analisado com a teoria do prospecto de 1979, em que Daniel Kahneman , que viria a ser Prêmio Nobel em 2002, demonstra que um individuo tem reações distintas em situações que envolvem o mesmo risco, de acordo com o contexto. Seus estudos demonstraram que um investidor no terreno dos ganhos tende a ser mais avesso a perdas, saindo mais rápido de uma operação e embolsando os lucros, do que um investidor que vê sua aplicação no vermelho, que tende a manter por mais tempo a aplicação, mesmo que ela venha a cair ainda mais.
Se agíssemos de forma exclusivamente racional a capacidade de suportar um recuo no saldo aplicado deveria ser o mesmo, independente do que ocorreu no passado, a decisão deveria ser ponderada pelas informações disponíveis no presente, que nos permitiriam projetar os ganhos futuros, no entanto ao finalizar uma operação com ganhos somos tomados por endorfina, a sensação de prazer, de sucesso, tem papel relevante na decisão, já sacar os recursos ou vender uma ação no prejuízo nos traz sentimento oposto, de fracasso e fugimos dela o quanto podemos.
A situação fica ainda um pouco mais dramática se as perdas verificadas não forem acompanhadas por outros, quem assistiu A Grande Aposta “The Big Short” deve se lembrar do que teve de enfrentar Michael Burry, personagem de Christian Bale no filme, que é um dos primeiros a apostar que os títulos lastreados em hipotecas carregavam créditos podres, foram quase dois anos vendo o mercado na direção contrária e sofrendo pressões enormes dos cotistas de seu fundo até que o preço dos títulos em que investiu começasse a refletir os fundamentos reais e a trazer ganhos.
Logo não é fácil lutar contra nossa própria natureza, ao efetuarmos um investimento estaremos expostos à tomada de decisões equivocadas e influenciadas pelo viés comportamental, o importante é reconhecer que ele existe e buscar alguma forma de isolá-lo na hora de decidir. Analisar se as condições se alteraram e justificam uma mudança e o mais importante reconhecer o erro enquanto é cedo. Se você perdeu 10% do seu capital em uma operação, precisará de 11,12% de ganhos numa outra para recuperar o montante original, porém se perdeu 50%, precisará de 100%, logo se é para ser avesso a perdas que seja rápido.
Outro ponto interessante que pretendo estudar de forma um pouco mais aprofundada no futuro é o caso dos fundos multimercados no Brasil, não são raras as situações em que um fundo, depois de longo período de ganhos ao apresentar um revés momentâneo, verifica uma onda grande de saques que em alguns casos chega a inviabilizar a sua estratégia, o que parece ser um caso claro da teoria do prospecto se fazendo presente. Afinal, se o gestor foi bom por tanto tempo, porque não confiar que este dará a volta por cima e voltará a entregar o retorno do passado? Ao que parece o mercado não é mesmo tão racional assim....