Começo a semana com duas recomendações culturais. Ambos são episódios do podcast Market Makers, que está assumindo uma posição semelhante àquela de Joe Rogan nos EUA, tamanha relevância e repercussão entre agentes econômicos.
O primeiro conta com participação dos gestores Daniel Goldberg e Luis Stuhlberger. O segundo entrevista Luiz Guerra, CIO da Pragma. Sugiro que o investidor percorra essa ordem, pois o último faz referência ao primeiro. Entre eles, se estabelece um rico debate que, em última instância, se debruça sobre a questão: vale a pena investir em ações no Brasil?
Em linguagem técnica, o assunto é apresentado como prêmio de risco de mercado, ou seja, quanto as ações brasileiras rendem, na média, comparativamente ao CDI? Dado que a renda variável carrega, ao menos a princípio, mais risco do que a renda fixa, para se justificar o investimento em ações, elas precisariam pagar mais nessa comparação.
Observando vários mercados no mundo, em particular nos países desenvolvidos, o tal prêmio é facilmente identificável. Apesar de volátil ao longo do tempo e, por definição, de não se materializar todo ano, várias formas de calcular, fatiando o tempo de diversas maneiras diferentes, apontam a existência do prêmio positivo para se investir em ações. Para os interessados, Aswath Damodaran calcula de maneira recorrente esse excedente de retorno para a bolsa norte-americana.
No caso brasileiro, a resposta não é óbvia. Mais do que isso, a evidência empírica dos últimos 15 anos (e poucos diriam que isso é curto prazo) aponta para um prêmio de risco negativo das ações brasileiras. Ou seja, elas pagaram menos do que a renda fixa, mesmo carregando uma volatilidade muito maior.
Veja: essa não é uma discussão teórica. Embora se assente sobre conceitos elementares da Teoria das Decisões Financeiras, dela decorre um corolário prático bastante importante: ora, se as ações brasileiras rendem sistematicamente menos do que a renda fixa, o investidor teria um portfólio mais eficiente se apenas evitasse essa classe de ativo. Dito de outra forma, a renda variável no Brasil deveria ser preterida.
É nesse contexto que se inserem as exposições de Daniel Goldberg e Luiz Guerra. Dando aqui um pequeno spoiler e incorrendo no risco do problema clássico do princípio da não-tradução, de modo que insisto na sugestão de que recorram aos originais, arrisco uma síntese dos argumentos, para depois eu mesmo dar uma posição a respeito. Se eu não estiver sendo fiel e justo com os expositores, peço desculpas de antemão, já firmando o compromisso de eventual correção subsequente. Qualquer erro na terceirização do discurso será fruto de deslize involuntário, não de qualquer posição dolosa ou tentativa de enviesar a conversa.
Daniel Goldberg identifica um prêmio de risco negativo para as ações brasileiras, de fato, sugerindo que o histórico aponta nessa direção. Com efeito, ao longo dos últimos anos, a Bolsa local tem sido um mau investimento.
Quando perguntado as razões para essa distorção, Daniel sugere que, na verdade, isso acontece porque aquilo que costumamos chamar de ativo livre de risco no Brasil (títulos da dívida pública) não é realmente livre de risco.
Luiz Guerra concorda com a afirmação de que o ativo visto como livre de risco no Brasil, na verdade, não é 100% seguro. Mas rebate a ideia do prêmio de risco negativo. Segundo ele, o prêmio é, na verdade, positivo. Estamos apenas um longo período recente negativo e concluindo que a Bolsa é estruturalmente ruim. Ele lembra que mesmo o S&P 500 já teve décadas de performance negativa ou zerada. O prêmio só existe porque ele demora muito tempo para se materializar. Se ele fosse estável e ocorresse todo ano, seria arbitrado, deixando de existir. De forma direta: se estendêssemos a janela temporal para horizontes mais dilatados, identificaríamos a Bolsa rendendo acima do CDI.
Afirmar que o prêmio de risco de mercado no Brasil é negativo significa dizer que:
i) há um ativo (ações) de maior risco do que outro (renda fixa) e que rende menos estruturalmente; ou
ii) as ações são menos arriscadas do que a renda fixa.
Se i) for verdadeiro, precisamos reescrever os livros de Finanças e Economia adicionando um asterisco qualificador, algo assim: “os ativos de maior risco tendem a ter retorno potencial maior, com exceção do caso brasileiro.” Se, sistematicamente, as ações (de maior risco) rendem menos do que a renda fixa, por que ninguém arbitra isso? O mercado brasileiro é estruturalmente ineficiente?
A respeito do ponto ii), podemos até admitir que, em determinadas situações muito extremas, as ações possam ser menos arriscadas do que a renda fixa. Também sabemos que volatilidade não é necessariamente uma boa medida de risco. Mas colocar estruturalmente as ações como menos arriscadas do que a renda fixa fere um princípio básico das finanças corporativas, de senioridade dos credores sobre os acionistas.
Aqui, inclusive, reside minha ponderação sobre o argumento de Daniel Goldberg. Ele tem o apoio inquestionável dos dados empíricos dos últimos 15 anos. A Bolsa realmente foi ruim nesse longo intervalo. Ele também está correto sobre a existência de risco nos títulos soberanos brasileiros. No entanto, esse risco dos títulos públicos não explica, na essência, a má performance da Bolsa em termos relativos. Para isso ser verdade, não bastaria a renda fixa ter risco. Ela precisaria ter mais risco do que a Bolsa, o que, como argumentamos acima, não parece ser o caso. Lembre-se: o prêmio de risco, por definição, é um critério relativo. Renda fixa ter risco por si só não justifica o caso aqui em questão.
Já minha ressalva sobre os pontos de Luiz Guerra recai sobre a ausência de evidência empírica para sustentar a tese do prêmio de risco positivo e sistemático nas ações brasileiras. Ele traz excelentes dados sobre os mercados globais. Mas a existência do prêmio lá fora não garante, necessariamente, seu paralelo no Brasil.
Recorrendo aos dados locais, não conseguimos identificar de maneira tão simples e sistemática o prêmio, como fazemos para os EUA. Há vários momentos, a depender da forma como se corta e se mede, em que o prêmio é, sim, positivo, mas, de novo, essa não é uma conclusão estável e longeva. O momento do ciclo em que você corta e o horizonte temporal interferem muito na análise, em especial para um histórico que, para esse tipo de análise, ainda é curto.
Talvez a resposta definitiva para a questão venha somente nos próximos anos. Com o ciclo mudando em favor de mercados emergentes, uma Selic menor mais à frente e uma eventual mudança do pêndulo de economia política, podemos chegar a uma conclusão muito diferente daquela da década anterior. Não sendo o caso, Daniel terá vencido a argumentação nesta cova de leões.