Por Letícia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) - A abertura completa do mercado livre de energia elétrica a partir de 2026 no Brasil não deve onerar os consumidores com a necessidade de criação de um novo encargo na conta de luz para bancar custos relacionados à eventual sobrecontratação das distribuidoras de energia, aponta um estudo realizado pela consultoria EY e encomendado pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel).
A conclusão rebate uma hipótese, bastante discutida no setor nos últimos anos, de que a migração de uma quantidade cada vez maior de consumidores do mercado cativo para o livre levaria a um desequilíbrio econômico-financeiro das distribuidoras, que teriam que arcar com os custos de "sobras" de contratos de energia em seu portfólio.
Nos últimos meses, o governo brasileiro deu importantes passos para a abertura total do mercado livre de energia, a fim de permitir que todos os consumidores do país, inclusive residenciais, possam contratar energia diretamente de um fornecedor.
Hoje, o mercado livre é acessado principalmente por grandes indústrias e empresas, embora as exigências para migração já venham se reduzindo nos últimos anos, de forma a estimular que um número maior de pequenas e médias empresas ingressem no mercado.
Uma das principais preocupações com esse processo é evitar desequilíbrio ao negócio das distribuidoras, que em tese passariam a atender menos clientes com um volume de energia contratado no passado para um mercado muito maior. Isso se torna um problema para as empresas porque, quando a contratação supera 105%, elas não podem repassar os custos às tarifas e têm que arcar com eles.
O estudo da EY simulou três cenários para os próximos 20 anos considerando diferentes ritmos de crescimento da demanda de energia elétrica e de migrações de consumidores entre os mercados cativo e livre. Em apenas um dos cenários, que considera números conservadores para a carga e agressivos para as migrações, identificou-se a possibilidade de sobrecontratação.
O estudo apontou que, mesmo nesse caso, as distribuidoras já contariam com mecanismos regulatórios e legais para reduzir o problema de sobrecontratação.
Um dos exemplos dados é o da nova lei da micro e minigeração distribuída, que prevê que todo o volume gerado por esses sistemas deve ser considerado como "exposição involuntária" para as distribuidoras.
Ainda assim, o trabalho apresenta cinco alternativas para enxugar o volume dos chamados "contratos legados" das distribuidoras, como extinguir cotas de Itaipu no mercado regulado, transferir contratos de energia de hidrelétricas para o mercado livre e transferir a energia de Angra 1 e 2 para a modalidade de reserva de capacidade.
A conclusão do estudo é semelhante à da TR Soluções, que no mês passado também divulgou uma análise apontando que a abertura de mercado não deveria gerar sobras contratuais para as distribuidoras.
Nesse contexto, a EY disse ver como "remota" a necessidade de criação de um encargo de transição para bancar eventual sobrecontratação no mercado regulado.
Benefícios econômicos
A consultoria também calculou que consumidores que migram ao mercado livre conseguem uma economia de 18% na conta de luz --um dos principais incentivos ao crescimento desse mercado nos últimos anos, com a adesão cada vez maior de pequenas e médias empresas.
"A abertura do mercado pode reduzir a conta de luz das famílias em até de 108 reais por megawatt-hora (MWh) quando comparamos a TE (tarifa de energia) média das distribuidoras (263 reais/MWh) com preço da energia no mercado livre (155 reais/MWh)", diz o estudo.
"Incorporando a TUSD (tarifa de distribuição) e os impostos, a diminuição do custo da energia reduziria cerca de 18% o preço final para o consumidor".
Ainda segundo o estudo, essa redução com gasto de energia aumentaria a renda disponível em 0,7%, liberando mais de 20 bilhões de reais para compras de bens e serviços no país.
Pelo cronograma atual proposto pelo governo, que ainda está em consulta pública, residências estariam permitidas a migrar para o mercado livre a partir de 2028. Já para consumidores comerciais e industriais ainda não habilitados pelas regras atuais, o cronograma se inicia em 2026.
(Por Letícia Fucuchima)