Por Nayara Figueiredo
SÃO PAULO (Reuters) - Os primeiros lotes de carne bovina brasileira enviados à China após um embargo anunciado há mais de 50 dias chegaram ao destino e foram impedidos de entrar, frustrando exportadores que estavam confiantes de que poderiam ingressar com produtos certificados antes da suspensão por casos atípicos da doença "vaca louca", conforme fontes e analistas ouvidos pela Reuters.
Parte da indústria ainda acreditava que o embargo cairia enquanto as cargas estivessem sendo transportadas, e agora sofre o impacto de maiores custos logísticos. Se uma liberação não for breve, é possível que novos contêineres se acumulem nos portos chineses, uma vez que o Brasil exportou volumes recordes em setembro, sendo mais da metade à China.
O embargo foi estabelecido após o Ministério da Agricultura brasileiro confirmar, no dia 4 de setembro, a ocorrência de dois casos atípicos da doença Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), conhecida como "vaca louca", que desencadeou a suspensão automática de exportações da proteína à China em cumprimento a um protocolo para a situação.
Caso o embargo não seja retirado, os carregamentos podem ser redirecionados a outros mercados. Este risco havia sido antecipado em reportagem da Reuters publicada no mês passado.
Notícias circularam no mercado de que um lote de Tocantins havia sido liberado no porto de Xangai, na véspera. Procurado, o Ministério da Agricultura disse à Reuters que não tinha informações sobre o assunto.
Nesta quarta-feira a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, reforçou em entrevista à TV CNN Brasil que a pasta não possui informações oficiais relacionadas ao tema e ressaltou que a China não liberou a entrada de nenhum contêiner brasileiro da proteína bovina após o embargo.
A ministra ainda disse que o Brasil segue em contato com as autoridades chinesas, mas não há nada definido, e espera que as exportações sejam restabelecidas o mais rápido possível. Questionada, a alfândega da China não respondeu de imediato a um pedido de comentários.
"Algumas cargas minhas foram produzidas em agosto, certificadas antes da suspensão, mas saíram depois do dia 4, e quando chegaram lá o importador fala que não pode fazer o desembaraço", disse um exportador à Reuters na condição de anonimato.
Ele afirmou que enviou, ao todo, 22 contêineres com destino à China nestas condições, com 27,5 toneladas de carne em cada, totalizando cerca de 600 toneladas. Os primeiros lotes começaram a chegar no dia 11 de outubro e há desembarques previstos até o dia 29.
"A carga que já chegou está lá parada. Os contratos de exportação costumam deixar permanecer no pátio sem custo entre 11 e 14 dias, dependendo da companhia marítima. A partir disso, começa a ser cobrada uma diária que nós já vamos começar a pagar", disse ele.
Segundo o executivo, autoridades do Ministério da Agricultura estão, primeiramente, tentando solucionar a questão das cargas rejeitadas pelos chineses, além de negociar o fim do embargo.
Por isso, ele disse que pretende aguardar mais um pouco antes de redirecionar os lotes, na expectativa de que haja uma solução que permita a entrada da carne na China.
"Muitas empresas continuaram com os embarques porque imaginaram que a suspensão seria retirada antes da chegada das cargas, o que não aconteceu... A gente acredita que vai resolver, só não sabemos em quanto tempo, vai chegar uma hora que não vai compensar ficar no pátio. A questão agora é financeira."
Na visão da Minerva (SA:BEEF3) Foods, maior exportadora de carne bovina da América do Sul, a demora acima do esperado na retomada de compras pela China tem como "pano de fundo" questões que extrapolam o acordo sanitário entre os dois países, e incluem "ruído político" e estoques de proteína maiores no país asiático, disse um executivo da empresa em evento nesta quarta-feira.
A expectativa inicial era de que o fim dos embargos ocorresse em cerca de 15 dias, como em 2019, quando o Brasil registrou casos atípicos da EEB.
Com o mercado apostando em uma liberação rápida ainda em setembro, o Brasil exportou um recorde no mês passado. Conforme a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), os embarques totais somaram 212 mil toneladas da proteína, sendo que mais de 50% direcionados à China.
A CAMINHO DE HONG KONG?
Uma outra fonte da indústria disse à Reuters, na condição de anonimato, que há relatos de um frigorífico que também teve suas cargas rejeitadas pelos chineses e estaria articulando o redirecionamento da proteína para Hong Kong.
"Para Hong Kong tem muita empresa habilitada, mas é uma intermediação, o governo chinês está tentando acabar com isso", afirmou o interlocutor.
Com o fim da oferta de carne certificada para a China antes do embargo, as exportações brasileiras já estão sentindo o baque em outubro. A média diária dos embarques caiu praticamente pela metade no acumulado deste mês na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
ALTERNATIVAS
Segundo o analista da consultoria Safras & Mercado Fernando Iglesias, os principais casos de cargas rejeitadas pelos chineses aconteceram no porto de Xangai e os frigoríficos avaliam realocar lotes em outros mercados asiáticos, como Irã e Vietnã, ou aguardar em 'hubs' na China até que haja a normalização do embarque.
"Houve tentativa de colocar essas cargas no Irã e também no Vietnã, não são operações simples e esses importadores não pagariam os mesmos preços de contratos que a China tinha firmado pela carne bovina brasileira", disse ele.
"Agora vai da opção dos frigoríficos aceitar o preço mais baixo ou simplesmente aguardar uma posição chinesa, mantendo essa carga guardada em outros portos do país."
O analista acrescentou que todas essas questões logísticas e estoque representam um custo muito elevado para os frigoríficos. "A cada dia que passa sem uma solução, sem o aceite dessas cargas, é um dia a mais de prejuízo", finalizou.
Sobre a carga de Tocantins que gerou comentários no mercado, um especialista disse na condição de anonimato que se trata de um lote certificado em 26 de agosto, mas embarcado em 10 de setembro.
(Por Nayara Figueiredo)