Por Ana Mano e Karl Plume
SÃO PAULO/CHICAGO (Reuters) - Os atrasos na colheita de soja do Brasil, maior produtor global da oleaginosa, estão fazendo com que compradores liderados pela China dependam da oferta dos Estados Unidos por um período maior do que o normal em 2021, segundo dados governamentais e operadores.
A demanda sustentada pela soja dos EUA está acelerando uma redução histórica nos estoques norte-americanos da oleaginosa e pode elevar ainda mais os preços da commodity em um momento de crescente inflação dos alimentos, à medida que países formam reservas de produtos básicos durante a pandemia.
Preocupações com a oferta apertada de soja no mundo, depois que a China ampliou suas compras de forma dramática nos últimos meses, geraram uma alta de 4,5% nos contratos futuros da oleaginosa negociados em Chicago, que atingiram uma máxima de seis anos e meio no mês passado.
O Brasil costuma colher a maior parte da safra de soja nos três primeiros meses do ano, que marcam o fim do domínio das exportações norte-americanas. Desta vez, porém, esse processo foi atrasado por causa de uma seca vista no ano passado, que desacelerou o plantio, e pelas chuvas registradas no período de colheita.
Os embarques de soja do país em janeiro foram 28 vezes menores do que em igual período do ano anterior, somando 49,5 mil toneladas --quantidade insuficiente para abastecer um único navio--, segundo dados comerciais brasileiros.
Por outro lado, os EUA, seu principal concorrente nos mercados globais, inspecionaram cerca de 8,9 milhões de toneladas de soja para embarques no mês, maior nível já registrado, de acordo com dados do Departamento de Agricultura norte-americano (USDA, na sigla em inglês).
A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), que representa empresas como Cargill e Bunge, confirmou que a escassez atual no Brasil pode dar margens para os competidores.
"A gente supõe que esteja acontecendo isso", disse o diretor-geral da Anec, Sérgio Mendes, por telefone, acrescentando que a baixa disponibilidade de soja no Brasil está ampliando a janela de exportações dos EUA.
Em fevereiro, os embarques brasileiros de soja podem ficar em 6 milhões de toneladas, abaixo dos 8,5 milhões de toneladas inicialmente esperados, segundo a Anec.
O abastecimento do Brasil só deverá se normalizar em março, disse um grande trader à Reuters.
O operador disse, sob condição de anonimato, que está sondando fornecedores de grãos nos EUA e Argentina. Grande parte desse fardo recairá sobre os EUA, já que a colheita de soja argentina começa apenas em março.
Países importadores, com destaque para a China, têm ampliado as compras de grãos e oleaginosas durante a pandemia, para escapar de interrupções nos transportes ou de novos aumentos nos preços das commodities agrícolas.
A China adquire grãos e oleaginosas das Américas do Sul e do Norte para produzir ração para animais. O país asiático está atualmente reconstruindo seu rebanho de suínos, após um surto de peste suína africana matar milhões de porcos.
Os quase 5,6 milhões de toneladas nos portos norte-americanos que tiveram a China como destino no mês passado representaram os maiores embarques de soja em um mês de janeiro dos EUA para a principal importadora de alimentos do mundo.
Os embarques para México e Egito, outros grandes compradores da soja norte-americana, também foram os maiores já registrados para meses de janeiro, mostram os dados do USDA.
É esperado que os estoques de soja dos EUA encolham para os menores patamares em sete anos pouco antes de a colheita no Hemisfério Norte ganhar ritmo, em setembro.
Neste ponto, o país deverá contar com apenas 9,5 dias de oferta de soja, o nível mais apertado da história e uma queda acentuada em relação aos estoques suficientes para sete semanas mantidos em igual período do ano passado, de acordo com uma análise da Reuters com base em dados do USDA.
Apesar do atraso na colheita, o Brasil --que vende a maior parte de sua soja para a China-- deve colher uma safra recorde de 133 milhões de toneladas nos próximos meses.
Em uma indicação de que acredita que qualquer escassez causada pelo início lento da colheita no Brasil será compensada até 1º de setembro, nesta semana o USDA manteve inalterada sua projeção para as exportações brasileiras em 2020/21, enquanto a previsão para os embarques de soja dos EUA foi elevada em 550 mil toneladas.
No entanto, diante da forte demanda e da incerteza em torno dos problemas logísticos nos portos, ainda não está claro se isso vai aliviar a pressão altista sobre os preços, segundo analistas e operadores.
(Reportagem de Ana Mano, em São Paulo; reportagem adicional de Karl Plume e Mark Weinraub, em Chicago)