ENTREVISTA-Setor de cana do Brasil tem 'momento mágico' que favorece M&A, diz consultor

Publicado 21.10.2020, 16:25
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Por Roberto Samora

SÃO PAULO (Reuters) - A despeito da pandemia, a indústria de cana, açúcar e etanol do Brasil vive um "momento mágico" na safra 2020/21, com uma conjuntura de eventos positivos que vão desde as boas condições climáticas para a colheita até o câmbio, que ajudou as exportações do adoçante dispararem mais de 80% na temporada, avaliou o consultor Julio Borges.

Mesmo os preços médios do etanol, que sofreu mais os efeitos da Covid-19, superaram recentemente patamares de 2 reais por litro na usina do centro-sul, e são suficientes para remunerar todos os custos, ainda que o consumo tenha caído este ano, acrescentou Borges, sócio-diretor da JOB Economia e Planejamento.

"Quanto ao açúcar, a situação atual é mágica, graças a uma condição de déficit de oferta global observada na safra mundial 2019/20. Esta condição recuperou os preços do açúcar no mercado internacional e o real bastante desvalorizado completou a situação de sucesso", afirmou ele.

Ele disse à Reuters que as exportações brasileiras de açúcar no acumulado da safra entre abril e setembro cresceram 82%, para quase 18 milhões de toneladas. O país é o maior player global na commodity.

No mercado interno, que responde por uma parte menor das vendas do setor, o preço médio do açúcar em São Paulo, nos primeiros seis meses de safra, alcançou 73 reais a saca de 50 kg, valor que remunera custo do capital próprio e de terceiros. O preço atual oscila em torno de 90 reais/saca com tendência de alta, ressaltou.

Com a forte demanda pelo açúcar brasileiro, aproximadamente 47% da produção de cana está sendo dirigida à fabricação de açúcar em 2020/21, ante 35% na temporada passada, uma "flexibilidade" que é exclusividade do Brasil, lembrou Borges.

Ele disse que, apesar da maior produção de açúcar, não há previsão de excedente que possa gerar pressão de oferta no mercado regional, com a exportação nesta safra remunerando o produtor entre 3% e 10% acima do mercado interno, o que indica cotações firmes nos próximos meses.

De outro lado, disse Borges, o fato de as usinas estarem voltadas para o açúcar fez a oferta de etanol ficar restrita, ajudando na recuperação dos preços no período abril-setembro, após despencarem nos momentos das medidas mais rígidas contra o coronavírus.

Até setembro, o preço médio do etanol na safra na usina estava em 1,63 real por litro, nove centavos abaixo do verificado na temporada passada, quando o consumo e a produção foram recordes. Em outubro, a cotação saltou para mais de 2 reais, ante média de 1,79 real/litro em setembro e aproximadamente 1,30 real, no piso do ano, em abril.

Com uma colheita com rendimento industrial 4,4% maior, beneficiado pelo tempo seco, que também reduz custos, o preço da cana está atualmente em torno de 119 reais/tonelada, patamar não visto há muito tempo, disse o consultor.

M&A

Essa situação traz um cenário favorável para o setor que pode até mesmo resultar em "maior consolidação", com fusões e aquisições (M&As) de empresas ainda em piores condições financeiras, sendo incorporadas pelas mais capitalizadas.

Em passado recente, quando os preços dos combustíveis no Brasil eram controlados por meio da atuação da Petrobras (SA:PETR4), muitas empresas foram levadas a buscar recuperações judiciais ou elevaram fortemente o endividamento.

Mas o momento é outro, ressaltou Borges, destacando que a conjuntura deverá atrair interesse do capital estrangeiro para investir no negócio de açúcar e etanol no Brasil.

Ele disse ainda ver "maior concentração na produção, na medida que usinas de melhor desempenho incorporem outras empresas concorrentes em situação econômico-financeira frágil".

O consultor não citou qualquer exemplo deste movimento.

Em setembro, uma notícia sobre início de negociação da gigante Raízen, joint venture da Cosan (SA:CSAN3) e da Shell, para adquirir a Biosev (SA:BSEV3), braço de açúcar e etanol do grupo Louis Dreyfus, chamou a atenção do mercado.

© Reuters. Colheita de cana em Jaboticabal

Tanto Raízen quanto Biosev estão entre as líderes do setor no Brasil, mas a segunda tem uma dívida em moeda estrangeira que impacta negativamente seus resultados. Ao final do último trimestre fiscal da Biosev, o endividamento líquido era de 7,3 bilhões de reais.

(Por Roberto Samora)

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