Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Parques eólicos do Nordeste do Brasil viram queda de até 30% na produção na reta inicial deste ano, em meio ao impacto de chuvas há muito não vistas na região sobre o vento local, que ganhou fama internacional nesta década como um dos melhores do mundo para a geração de energia.
A "safra de vento" negativa na área que abriga a maior parte das usinas da fonte no Brasil levou a geração eólica do país a fechar o primeiro trimestre 16% abaixo do visto em 2019, mesmo com alta de quase 20% na capacidade instalada no período, segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Os efeitos negativos também puderam ser vistos em balanços de empresas que operam eólicas em Estados nordestinos, como a CPFL (SA:CPFE3) Renováveis, da chinesa State Grid, e a Omega Geração.
"Estamos tendo ventos com velocidade 15 vezes menor... o menor vento da última década no Nordeste inteiro. Em geração, isso significa produção em torno de 30% menor", disse à Reuters o vice-presidente da Associação Mundial de Energia Eólica (WWEA, na sigla em inglês), Everaldo Feitosa, que avalia a situação como um fenômeno cíclico que pode acontecer a cada decada.
O desempenho é associado a fatores meteorológicos, como uma temperatura 1,5 grau Celsius acima do normal no oceano e um fenômeno conhecido como zona de convergência intertropical, que favorecem as precipitações, explicou Feitosa, que também é diretor da desenvolvedora de projetos Eólica Tecnologia.
Esse cenário, no entanto, deve se reverter já no segundo semestre, que por natureza tem uma produtividade bem maior para as usinas eólicas.
"Quando chega o segundo semestre você sabe que pode contar com os ventos do Nordeste", disse à Reuters o especialista Odilon Camargo, proprietário da consultoria em engenharia de vento Camargo Schubert.
"Mas, no primeiro trimestre, geralmente as chuvas vêm, até maio vêm chuvas. Dizem 'as águas de março fechando o verão', mas isso é no Sudeste", brincou ele, em referência à famosa canção de Antônio Carlos Jobim.
"Nesses anos em que chove muito, na época de chuva reduz o potencial eólico. E este ano está sendo muito generoso nos reservatórios do Nordeste", acrescentou.
Apesar dessa volatilidade, destacou Camargo, o vento é mais estável que a hidrologia se considerados períodos maiores --segundo ele, variações de produção eólica mesmo em anos de vento ruim não costumam superar 10% ou 20% da média de longo prazo.
EMPRESAS SENTEM
A elétrica Omega Geração, que possui parques eólicos no Piauí e Maranhão, apontou em seu balanço do primeiro trimestre que a geração potencial em seu Complexo Delta, com usinas em ambos Estados, ficou 36% abaixo da média de quatro décadas.
Outro parque da empresa, na região de Assuruá, na Bahia, teve desempenho 28% abaixo da média, "levando ao pior primeiro trimestre da série histórica de 41 anos da região".
"Conforme a temporada de chuvas na região Nordeste do Brasil se encerra, geralmente a partir da segunda metade do segundo trimestre, a incidência de vento costuma retornar a suas médias históricas", escreveu a empresa na demonstração de resultados.
A CPFL Renováveis, da chinesa State Grid, apontou redução de 16% na produção de suas eólicas no primeiro trimestre, citando menor incidência de ventos no Ceará que não foi compensada por ventos maiores no Rio Grande do Sul.
CHUVAS ABUNDANTES
Embora possa parecer natural associar chuvas a ventos fortes, é conhecida no setor de energia eólica a máxima de que as precipitações atrapalham a geração das usinas da fonte.
Isso foi confirmado na prática neste ano, com a hidrologia no Nordeste surpreendendo --após sete anos de forte seca, as chuvas entre fevereiro e abril variaram de 82% a 105% da média histórica, contra entre 24% e 57% no ano passado.
Com isso, reservatórios das hidrelétricas estatal Chesf, subsidiária da Eletrobras (SA:ELET3) na região, estão no melhor nível em 11 anos, com alguns deles ultrapassando 90% de armazenamento.
Esse comportamento climático também evidenciou a complementaridade entre recursos hídricos e eólicos, também constantemente destacada por especialistas da área.
Com o impacto da chuva sobre a geração, eólicas do Sul do país tiveram desempenho melhor no primeiro trimestre do que as do Nordeste, o que não é comum, destacou o consultor Andre Felber, da plataforma de dados de energia renovável ePowerBay.
No Rio Grande do Sul, a propósito, o início do ano foi marcado por chuvas abaixo da média, com efeitos negativos para a agricultura.
Nesse período, as usinas eólicas ainda chegaram a apresentar fator de capacidade abaixo das plantas solares fotovoltaicas, em março, o que ainda não havia sido observado no Brasil, acrescentou Felber.
O Brasil possui atualmente 15,6 gigawatts em capacidade instalada de energia eólica, o que representa 9% da matriz elétrica, de acordo com dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Cerca de 80% dos parques geradores estão no Nordeste, onde os ventos estão entre os melhores do mundo, segundo especialistas.