Por Alexandra Alper e Marianna Parraga
RIO DE JANEIRO (Reuters) - O Brasil mais que dobrou o número de arriscadas transferências de petróleo entre navios neste ano, mas o monitoramento de tais manobras marítimas é fraco, a ponto de não ter registrado uma colisão entre duas embarcações em julho de 2017, de acordo com registros do governo e de navios vistos pela Reuters.
A previsão é de que as transferências continuem aumentando, à medida que as descobertas em águas profundas do país atraíram petroleiras gigantes, como Exxon Mobil (NYSE:XOM) e Shell, para os recentes leilões offshore.
Durante essas manobras, os navios puxam um ao outro e o óleo é transferido para uma embarcação por meio de mangueiras de alta pressão. A prática é permitida em águas brasileiras apenas desde 2013.
No entanto, o monitoramento fraco dificulta o rastreamento da estatística mais básica: quantas transferências ocorrem.
A Marinha do Brasil informou que registrou 59 transferências entre navios por petroleiras neste ano até 30 de outubro, ante 28 no ano passado, mas a Shell e uma joint venture da Repsol (MC:REP) Sinopec realizaram 65 transferências até outubro. Um porta-voz da Marinha não foi capaz de verificar imediatamente o seu valor mais baixo.
As empresas devem informar às autoridades sobre as transferências de navio para navio, especialmente se houver dano ou derramamento de óleo no oceano, mas nem todos o fazem, segundo verificou a Reuters, com registros do governo e de transporte e entrevistas com 16 representantes do governo, agências marítimas, legisladores, reguladores e prestadores de serviços.
A maioria dos países produtores de petróleo permite a prática, mas com maior supervisão. No Uruguai, por exemplo, pelo menos dois policiais da Marinha devem estar presentes durante as operações offshore.
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a Marinha disseram que nunca foram informados sobre a colisão de dois navios em 2017 durante uma transferência de petróleo entre navios. O operador da transação Knutsen NYK Offshore Tankers estimou que uma das embarcações envolvidas sofreu 1 milhão de dólares em danos decorrentes da colisão.
Críticos dizem que o lapso aponta para a falta de supervisão das autoridades.
"O que a gente percebe e que há uma flexibilização muito grande por parte da legislação, deixando muita liberdade para as empresas fazerem da forma como querem", disse o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP).
"Em um primeiro momento, temos que aprimorar a legislação para que o poder público assuma sua responsabilidade. E, em um segundo, fazer com que as empresas cumpram aquilo que está determinado na legislação."
COLISÃO NO MAR
A ANP e a Marinha do Brasil disseram que nunca foram informados da colisão, enquanto um documento interno da Knutsen visto pela Reuters informa que o fato foi informado às autoridades, sem especificar qual.
John Einar Dalsvag, vice-presidente da Knutsen, disse em um e-mail que não havia necessidade de nenhum relatório oficial para as autoridades porque não havia impacto ambiental e os danos eram pequenos.
A colisão ocorreu durante uma transferência marítima de petróleo conduzida pela empresa sediada no Reino Unido Fendercare Marine, segundo o registro Knutsen.
A Fendercare fez perguntas sobre o incidente à Shell, que produziu o petróleo transferido.
Um porta-voz da Shell disse que houve "abalroamento leve", acrescentando que está em conformidade com todas as leis em que opera.
O número de transferências de petróleo entre navios no Brasil pode chegar a 300 em 2022, de acordo com Erik Cunha, chefe de vendas da OceanPact Serviços Marítimos, uma empresa que lida com derramamentos de óleo no mar.
A produção brasileira de petróleo no mar deverá atingir 2,9 milhões de barris de petróleo por dia (bpd) no próximo ano e 4 milhões de bpd até 2027, segundo a consultoria Wood Mackenzie.
REGRAS DE AUTO FISCALIZAÇÃO
Os provedores de transferências de petróleo entre navios e seus clientes dizem que a prática é segura.
Dados de clientes compilados pela consultoria marítima Dynamarine mostram que menos de 1 por cento das operações em todo o mundo resultam em colisões. Os vazamentos de petróleo que entram no oceano durante as transferências são extremamente raros.
O Brasil conta com operadores de navios-tanque e provedores de transferência entre navios para relatos à Marinha e à ANP de quaisquer colisões e acidentes que resultem em "danos materiais".
"Não tem como ficar 24 horas monitorando uma operação ou todo tempo da operação", disse o oficial da Marinha do Brasil, Péricles Arraes, que disse que nenhum relatório sobre a colisão de 2017 foi necessário, já que o petróleo não foi derramado e os trabalhadores não sofreram ferimentos.
Ele elogiou o monitoramento da Marinha, acrescentando: "é um processo de aprimoramento constante".
Mas David Zee, professor de oceanografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirmou que há um "vício de procedimento".
"Eu deixaria meu aluno avaliar seu próprio teste?", disse Zee.
O órgão ambiental federal Ibama usa o radar para checar vazamentos no mar, analisando cada trecho do oceano a cada seis dias, disse Fernanda Pirillo, coordenadora de emergências do instituto.
Por meio do monitoramento, nenhum vazamento foi encontrado desde o início das transferências em 2013.
(Reportagem de Alexandra Alper e Marianna Parraga; Reportagem adicional de Marta Nogueira no Rio de Janeiro e Malena Castaldi em Montevidéu)