Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - O governo do presidente Jair Bolsonaro publicou nesta segunda-feira medida que autoriza, "em caráter excepcional e temporário", condições regulatórias diferenciadas para permitir o acionamento de usinas termelétricas sem contrato por um período de até seis meses, que ainda poderá ser prorrogado.
A iniciativa, divulgada pelo Ministério de Minas e Energia no Diário Oficial da União desta segunda-feira, vem em meio a uma seca histórica que tem pressionado o nível dos reservatórios das hidrelétricas, principal fonte de geração no Brasil, e levantado preocupações sobre a oferta de energia.
A autorização, que já havia sido sinalizada diante das condições das hidrelétricas mas teria foco apenas nas unidades a gás, foi oficializada de maneira que o suporte do setor térmico à crise hídrica fique mais amplo, convocando térmicas de outras fontes e mais caras.
A medida permitirá que térmicas que não possuem contratos vigentes para venda de sua produção incluam custos fixos na receita a que têm direito a receber quando são chamadas a operar, o chamado Custo Variável Unitário (CVU).
O acionamento das usinas nessas condições poderá ocorrer por até seis meses, "de forma ininterrupta", segundo a medida do ministério, que prevê possível prorrogação do prazo.
Essas termelétricas ainda poderão ser acionadas mesmo que os programas computacionais utilizados para guiar a operação do sistema elétrico não sinalizem sua necessidade, o que é conhecido no setor como despacho "fora da ordem de mérito".
O especialista em energia do escritório Tomanik Martiniano Sociedade de Advogados, Urias Martiniano, explicou à Reuters que a pasta de Minas e Energia retirou algumas obrigações antes definidas para o uso das térmicas sem contrato, inclusive previsão de que fossem despachadas sob essas condições especiais apenas usinas movidas a gás natural.
"Fica muito claro, até pela estrutura da portaria, que ela visa sim facilitar e permitir o acionamento de outras usinas termelétricas", afirmou.
"Obviamente esse movimento vem atrelado ao fato de o nível dos reservatórios estar baixo e o governo precisar garantir o suprimento."
Os custos fixos que poderão ser inseridos na receita de uso das termelétricas acabarão custeados pelos consumidores, acrescentou ele.
O sistema elétrico do Brasil tem sido pressionado pelas piores chuvas já registradas na área das usinas hídricas desde 1930, quando começaram os registros.
A situação tem exigido acionamento de usinas termelétricas para atendimento à demanda desde outubro passado, o que pressiona as tarifas devido aos custos mais altos. Mas ainda assim o governo tem dito que medidas adicionais serão necessárias para garantir a oferta de energia.
O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), liderado pelo ministro de Minas e Energia e formado também por técnicos, tem defendido nas últimas semanas que uma flexibilização nas condições de operação de algumas hidrelétricas permitirá atender à demanda em 2021 apesar do cenário desafiador.
No sábado, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), responsável por gerenciar o acionamento das usinas e o uso das redes de transmissão, disse que as medidas defendidas pelo CMSE vão garantir a oferta em 2021.
O órgão admitiu, no entanto, que poderia haver risco de déficit em caso de um cenário sem as mudanças operativas em hidrelétricas.
As medidas de flexibilização na operação das usinas hídricas, que visam poupar água nos reservatórios, podem ter consequências como mortes de peixes e impactos sobre atividades de irrigação e navegação, segundo documentos vistos pela Reuters e especialistas.
Em meio ao cenário de aperto na oferta gerado pela crise hídrica, o Ministério de Minas e Energia iniciou também conversas com representantes da indústria sobre possíveis ações que poderiam ser adotadas para redução voluntária da demanda por empresas com grande consumo de eletricidade.
A pasta disse na sexta-feira que vai liderar esforços visando "soluções emergenciais e estruturais" para essas medidas, conhecidas como "resposta da demanda" entre técnicos do setor.
(Por Luciano Costa)