Por Jonathan Saul e Nigel Hunt e Pavel Polityuk
KIEV (Reuters) - Poucos navios estão chegando à Ucrânia para escoar rapidamente montanhas de grãos acumuladas ao longo de meses de guerra, apesar de um corredor marítimo apoiado pela Organização das Nações Unidas, ameaçando aumentar os preços globais dos alimentos e deixar os agricultores sem dinheiro no país que luta para plantar.
O presidente Vladimir Putin provocou na quarta-feira temores de que a Rússia possa retirar o apoio ao corredor marítimo depois de acusar Kiev de usá-lo para exportar para a União Europeia e a Turquia, em vez de nações pobres que mais precisam de alimentos, principalmente na África.
Mesmo que o acordo se mantenha, os perigos de enviar navios para o Mar Negro, fortemente minado, juntamente com a falta de grandes navios e a exclusão de um grande porto, significam que os volumes transportados estão bem abaixo da meta da Ucrânia de dobrar as exportações agrícolas para pelo menos 6 milhões toneladas até outubro.
"No momento, não enviamos nossos navios para portos ucranianos porque não acreditamos que seja seguro", disse à Reuters Alexander Saverys, presidente-executivo do grupo belga CMB, que embarcava a partir da Ucrânia antes da guerra.
No ritmo atual de exportação, levaria cerca de seis meses para enviar o restante dos estoques de grãos que sobraram da safra do ano passado pelos três portos incluídos no pacto --Odesa, Chornomorsk e Pivdennyi-- com a ajuda das exportações ferroviárias, de acordo com cálculos da Reuters.
Até lá, outra montanha de grãos terá se formado a partir da safra atual, incluindo 20 milhões de toneladas de trigo e a safra de milho da Ucrânia, que deve totalizar cerca de 30 milhões de toneladas.
Incapaz de vender, os agricultores não têm dinheiro para investir em seus campos, o que significa que o plantio de trigo de inverno está a caminho de ficar cerca de um terço abaixo do ano passado, disse Denys Marchuk, vice-presidente do Conselho Agrário ucraniano.
As dificuldades de escoamento da produção poderiam estender uma crise alimentar global que a iniciativa da ONU procurou mitigar. Os preços dos alimentos --que dispararam após a invasão da Rússia em 24 de fevereiro-- diminuíram após o acordo, mas o trigo da Ucrânia ainda não está chegando a seus clientes tradicionais na África em volumes próximos do normal.
A Somália, que recebeu diretamente apenas um carregamento de 28.500 toneladas de trigo sob o acordo, segundo dados da ONU, está entrando em uma crise de fome causada por anos de seca agravada pelo aumento dos preços globais dos alimentos, informou a Organização das Nações Unidas nesta segunda-feira.
Dmitry Skornyakov, executivo-chefe da empresa agrícola ucraniana HarvEast, disse que o corredor marítimo "não está mudando o jogo", em parte porque os preços pagos pelos grãos na Ucrânia não eram altos o suficiente para viabilizar exportações maciças imediatamente.
NAVIOS MUITO PEQUENOS
Os portos da Ucrânia, um dos cinco maiores exportadores globais de grãos antes da guerra, costumavam enviar cerca de 5 a 6 milhões de toneladas de grãos por mês, de acordo com a análise da plataforma de logística project44.
"A Ucrânia exigiria uma capacidade de transporte gigantesca para compensar o tempo perdido", disse Josh Brazil, vice-presidente de insights da cadeia de suprimentos global do project44. Atingir os níveis de embarque anteriores exigiria quatro navios de 50 mil toneladas todos os dias, disse ele.
Muitos dos navios que partem da Ucrânia são muito menores.
Dados da plataforma de dados marítimos e de commodities Shipfix mostram um tamanho médio de carga de cerca de 20 mil toneladas.
Alex Stuart-Grumbar, da Shipfix, disse que viagens bem-sucedidas feitas sob o acordo até agora podem fornecer impulso para que os embarques acelerem. No entanto, nos tamanhos atuais de carga, seriam necessárias aproximadamente mil viagens para limpar a carteira de pedidos, disse ele.
Navios maiores que transportam mais de 60 mil toneladas de grãos, conhecidos como panamaxes, que teriam negociado rotas do Mar Negro, foram redistribuídos para outras regiões, incluindo as Américas do Norte e do Sul. Levaria semanas para reposicioná-los, já que as temporadas de exportação de grãos estão em andamento, dizem fontes da indústria naval, com uma grande safra no Brasil amarrando muitos navios.
"No momento, ainda não conseguimos posicionar nenhum de nossos ativos no Mar Negro e, portanto, não podemos olhar para esse negócio", disse Khalid Hashim, diretor administrativo da principal empresa de transporte de granéis secos da Tailândia, Precious Shipping, à Reuters.
(Por Jonathan Saul, Nigel Hunt e Pavel Polityuk; reportagem adicional de Ana Mano e Roberto Samora)