Por Maria Carolina Marcello e Roberto Samora
BRASÍLIA/SÃO PAULO (Reuters) - O Senado aprovou nesta quarta-feira a MP 897, editada para modernizar regras do financiamento rural no Brasil e atrair mais recursos do setor privado, além de criar fundos de aval fraterno entre produtores e possibilitar a emissão de títulos de crédito com variação cambial.
A medida, defendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e entidades do setor, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), segue agora para sanção presidencial e deve ter efeitos positivos no crédito já na próxima safra de grãos (2020/21).
"Penso que conseguimos avançar bem, talvez desde 1965, quando foi instituída a lei agrícola do Brasil, foi o principal avanço no que diz respeito a crédito", afirmou à Reuters José Mario Schreiner, deputado federal por Goiás (DEM) e vice-presidente da CNA.
"Sem dúvida nenhuma, na safra 2020/201 já vamos sentir os efeitos da mudança", disse Schreiner, ao comentar a aprovação da chamada MP do Agro.
Entre os pontos destacados pelo parlamentar, estão a possibilidade de o produtor buscar recursos via emissão de títulos com variação cambial, o que em tese pode ajudar em um plano do setor privado e do governo de deixar o segmento menos dependente de verbas públicas.
"A cada ano temos sentido mais dificuldades oferecidas pelo crédito oficial, que não chega nem a 40% da necessidade de recursos para a safra brasileira, vamos atrair investidores internacionais para o agro brasileiro", disse ele.
O segundo ponto importante é o chamado patrimônio de afetação, que permitirá ao produtor subdividir sua propriedade na hora de apresentar garantias aos credores, oferecendo apenas parte da fazenda com valor equivalente ao do financiamento.
Atualmente, o produtor acaba tendo que oferecer toda a propriedade, que muitas vezes tem valor superior ao empréstimo. Isso acarretava em risco e juros maiores, se o agricultor precisar oferecer o imóvel como garantia em outro empréstimo.
Com a nova regra, o produtor deve conseguir melhores taxas de empréstimos.
Schreiner citou ainda a instituição do fundo de aval fraterno, no qual produtores se unem destinando recursos, juntamente com um credor em comum, para obtenção de empréstimos.
Segundo o presidente da FPA, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), a MP do Agro permitirá ainda uma garantia solidária ao produtor, para renegociação de dívidas decorrentes de operações de crédito.
"Também estimula a criação de associações de produtores e emprego de recursos coletivos para saldar débitos, o que ajudará a reduzir a inadimplência", comentou ele, em nota
A sessão do Senado para votar a MP do Agro foi convocada de última hora nesta quarta-feira pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que recebeu um pedido da frente para que a proposta fosse analisada ainda nesta semana.
A MP precisava ter sua tramitação concluída no Legislativo até o dia 10 de março, ou perderia a validade.
GARANTIAS
O texto, contudo, poderia ter avançado mais para incentivar uma maior participação do setor privado na concessão de crédito, ao dar mais garantias aos credores com a vinculação de bens à Cédula de Produto Rural (CPR), segundo um especialista.
Se tal proposta não tivesse sido retirada do texto aprovado anteriormente na Câmara, os bens vinculados à CPR --muito utilizada para estruturar operações de "barter" (troca de grãos por insumos)-- seriam efetivamente utilizados para garantir a quitação do financiamento.
"Tenho dito que retiraram a 'cereja do bolo', pois os instrumentos de concessão de crédito foram modernizados, mas, no final, o Congresso deixou de dar ao credor a segurança tão necessária para atrair o investidor", disse à Reuters Fernando Pellenz, sócio de Souto Correa Advogados.
"É um contrassenso modernizar todo um sistema de títulos de crédito e, ao final, retirar dele o ativo mais valioso, a segurança no cumprimento das obrigações assumidas", acrescentou o especialista, lembrando que os financiadores do agronegócio ainda estão preocupados com questões relacionadas à recuperação judicial do produtor rural, em especial após recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que deu ganho de causa a um grupo agrícola.
"Isto vem gerando muita insegurança na cadeia de fornecedores de crédito privado, já que a MP não tratou especificamente disso. Esta insegurança jurídica certamente impactará em uma seletividade muito grande na hora de conceder o crédito...", acrescentou.
O deputado Schreiner, também dirigente da CNA, disse que questões relacionadas à recuperação rural do produtor estão sendo tratadas com uma proposta de lei específica.