Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - Uma importante associação de agricultores brasileiros fará no próximo dia 10, em Dom Eliseu, no Pará, um evento para marcar a largada do movimento que busca acabar com a Moratória da Soja na Amazônia, um acordo entre tradings e indústrias que proíbe a compra do grão de áreas desmatadas após 2008.
Produtores dizem que a Moratória da Soja desrespeita o direito legal do proprietário de terra de utilizar para a agricultura 20% da área dentro da Amazônia, e afirmam contar com o apoio do presidente Jair Bolsonaro para ver o fim da proibição dos cultivos em áreas abertas nos últimos anos.
A posição da Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja) sobre a moratória, um programa que tem mais de dez anos, mostra como uma nova iniciativa ambiental para o Cerrado, em gestação por tradings e indústrias, pode enfrentar desafios para ser implantada.
"Que se cumpra a nossa lei nacional, os nossos órgãos que são os fiscalizadores, nós não precisamos de ONGs fiscalizando os nossos produtores", disse o presidente da Aprosoja Brasil, Bartolomeu Braz Pereira, reivindicando o direito legal de o produtor não ser excluído do mercado pela Moratória da Soja.
O pacto é considerado por comerciantes, processadores da oleaginosa e entidades ambientais como importante para limitar o avanço da soja em nova áreas do Bioma Amazônico, preservando florestas.
Neste ano, quando as queimadas estavam no foco do noticiário, a Moratória da Soja foi citada como exemplo de programa que evita o desmatamento.
O encerramento do acordo poderia gerar problemas para as vendas de soja do Brasil, o maior exportador global, pois clientes no exterior, especialmente na Europa, exigem uma produção ambientalmente sustentável, argumenta a Abiove, associação que reúne as principais tradings e indústrias, como ADM, Bunge, Cargill, Louis Dreyfus, Cofco e Amaggi.
Contudo, lideranças da Aprosoja argumentam que o Código Florestal é uma das mais severas leis ambientais do planeta, ao exigir, por exemplo, que 80% das propriedades rurais na Amazônia sejam formadas por reservas legais de florestas.
De acordo com Pereira, a Abiove tem colocado produtores em uma lista que os exclui das negociações, fazendo uma espécie de "reserva de mercado" que deprecia o valor do grão cultivado fora das normas da Moratória.
"Isso tem que ser resolvido. A própria Casa Civil e o presidente Bolsonaro não concordam com este sistema também", ressaltou Pereira.
Segundo ele, no evento no início da próxima semana em Dom Eliseu, a associação mostrará a "sustentabilidade da produção de soja na Amazônia" e também dará início ao movimento para paralisar a Moratória.
O movimento ocorre após Pereira e o presidente da Aprosoja Mato Grosso, Antonio Galvan, terem participado de um café da manhã com o presidente Jair Bolsonaro para discutir o assunto em 29 de agosto. No mesmo dia, trataram do tema com os ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
"Estamos estudando com a área jurídica para ver qual atitude tomaremos, o governo se comprometeu a tomar uma atitude... Não tem concordância sobre esse negócio de a trading dizer 'não compro de vocês'", disse Galvan.
O Palácio do Planalto, por meio da assessoria de comunicação, disse que não podia nem confirmar nem negar o assunto. A Casa Civil não retornou a pedidos de comentários.
Galvan, também vice-presidente da Aprosoja Brasil, disse que a associação defende que o produtor tenha a possibilidade de converter em área agricultável 20% da propriedade na Amazônia e 65% no Cerrado, conforme está na legislação.
"O produtor tem que ter o direito de fazer o que a lei diz, é uma questão de soberania nacional", disse ele.
Os dois dirigentes refutaram ainda qualquer proposta de estender para o Cerrado --onde está a maior parte da produção de soja do Brasil-- qualquer medida que venha a restringir a produção.
"Vieram com a intenção de ampliar a moratória para o Cerrado, e falamos que vamos derrubar a Moratória da Amazônia, estamos discutindo isso com governo... Ou trabalham com as nossas leis ou vão comprar (soja) em outro lugar", disse Pereira, ressalvando que se algum produtor não está respeitando a lei tem que ser punido.
"A nossa lei é a mais restritiva do mundo, o Brasil é o único país que tem um Código Florestal. E querem ficar a vida inteira fazendo colonialismo", disse Galvan, ecoando palavras citadas pelo presidente Bolsonaro, quando abordou na Organização das Nações Unidas (ONU) questões ambientais.
RISCO DE BARREIRAS
Procurado, o presidente da Abiove, André Nassar, disse que, se a Moratória da Soja for rompida, o Brasil terá dificuldade para comercializar o produto para alguns destinos, especialmente para a Europa, que compra cerca de metade do farelo de soja exportado pelo Brasil.
"Eles (produtores) não têm ideia do impacto, se tiver o rompimento da moratória. O impacto será grande, nós não vamos conseguir vender farelo de soja...", disse Nassar.
O argumento de que as tradings têm que aceitar a soja de áreas desmatadas após 2008 "fura" a moratória, comentou o dirigente da Abiove.
Para Nassar, não é verdadeira a hipótese de que Moratória da Soja impediu o desenvolvimento da soja no Bioma Amazônico.
Ele lembrou que a sojicultura avançou de cerca de 1,8 milhão de hectares para 4,6 milhões de hectares na Amazônia em dez anos até 2018, mas ressaltou que isso aconteceu em áreas desmatadas antes de 2008, prazo estabelecido pelo pacto.
Para o dirigente, ainda há pastagens que podem ser convertidas em lavouras, o que evitaria o desmatamento.
Questionado sobre o plano sobre o Cerrado, ele disse que a associação tem um plano que deve ser anunciado em breve, mas evitou dar detalhes.
(Com reportagem adicional de Anthony Boadle, em Brasília)