Por Thomas Escritt
STUTTGART, Alemanha (Reuters) - O principal suspeito do caso que envolve nove homens acusados de planejar um golpe violento contra o Estado alemão teria sido visado pelos procuradores por conta de seu papel na organização de manifestações contra restrições sanitárias na época da pandemia de Covid-19, argumentou sua advogada a um tribunal nesta segunda-feira.
O réu, Marco van H., teria sido vítima da suposição de que qualquer um que discordasse das medidas de distanciamento social contra a Covid-19 seria um extremista perigoso, disse a advogada.
"Seus direitos fundamentais foram negados porque eles tiveram uma opinião diferente", disse a advogada Viktoria Dannenmaier, ao tribunal distrital superior em Stuttgart.
A audiência marca o começo de uma maratona de três julgamentos de um total de 27 pessoas -- partidários do esotérico sistema de crenças Reichsbuerger, "cidadãos do Reich" --, acusadas de conspiração em um complô frustrado pelas autoridades no fim de 2022.
Ao entrar na sala do tribunal de segurança máxima em Stuttgart, alguns de casaco, outros de camiseta, os suspeitos pareciam tristes em suas algemas, trocando cumprimentos com seus advogados através de grades colocadas nas grossas vidraças que os separavam.
Todos os nove contestam as acusações contra eles.
Os suspeitos de um dos maiores casos criminais da história da Alemanha foram mantidos incomunicáveis até se encontrarem no tribunal, alojados em centros de detenção espalhados pelo sudoeste da Alemanha.
Os promotores os acusam de tentar derrubar o Estado alemão para instalar um aristocrata como governante da Alemanha. Eles afirmam que os nove fizeram parte de um complô para invadir o Parlamento alemão e prender os legisladores.
Segundo as acusações, o papel deles era organizar células militares locais que reprimiriam qualquer resistência ao golpe.
Os procuradores disseram ainda que a disposição para usar violência foi demonstrada pela maneira como um deles, o entusiasta de armas, Markus L., disparou uma saraivada de balas contra policiais que chegavam para prendê-lo, causando ferimentos sérios em um deles.
Dannenmaier disse, no entanto, que Marco van H. não era um homem perigoso.
"L. é acusado de tentativa de homicídio, mas nem meu cliente, nem nenhum dos outros fizeram nada parecido: o que importa (para a acusação) é mostrar que meu cliente também é perigoso", disse ela.
Para os promotores, os acusados acreditavam que a Alemanha moderna era governada por um sombrio "Estado Profundo" que, entre muitos crimes, detinha e torturava crianças.
"Eles estavam convencidos de que a população alemã os apoiaria quando soubesse o que estava acontecendo", disse o promotor Michael Klemm ao tribunal. "Eles estavam cientes de que seus planos envolveriam violência"
"ÓDIO PELA NOSSA DEMOCRACIA"
Outros 18 suspeitos aguardam julgamento: o líder aristocrático príncipe Heinrich XIII de Reuss, herdeiro de uma dinastia sem trono que seria o chefe do novo governo, e outros oito líderes políticos serão julgados em Frankfurt no próximo mês. O resto irá a julgamento em Munique, em junho. Todos contestam as acusações.
"Esses militantes do Reichsbuerger são motivados por ódio pela nossa democracia", afirmou a ministra do Interior, Nancy Faeser, no domingo. "Continuaremos nossa repressão até essas estruturas militantes serem totalmente expostas e esmagadas."
Faeser disse que o extremismo de direita é a maior ameaça radical à democracia alemã, no momento em que políticos do mainstream sofrem para responder a um aumento de popularidade da Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita, em segundo lugar nas pesquisas.
O serviço de inteligência doméstica da Alemanha (Verfassungsschutz) colocou membros do movimento Reichsbuerger sob vigilância em 2016. O grupo abrange cerca de 21.000 pessoas e não reconhece a Alemanha moderna como um Estado legítimo, diz o serviço.
Os nove haviam armazenado 500.000 euros em dinheiro, além de 380 pistolas, 350 armas brancas e cerca de 148.000 cartuchos de munição, segundo a agência.
Os Reichsbuerger têm paralelos e são parcialmente inspirados por grupos como o movimento QAnon nos EUA, onde teorias conspiratórias sobre um Estado Profundo ajudaram a alimentar a invasão do Capitólio em Washington em 6 de janeiro de 2021.
As audiências no caso de Stuttgart estão agendadas até janeiro de 2025, mas, dada a complexidade do caso e o número de testemunhas e suspeitos, especialistas acreditam que ele pode se estender possivelmente por vários anos.
(Reportagem de Thomas Escritt)