Por Isabel Versiani
BRASÍLIA (Reuters) - O novo panorama econômico e político que deve prevalecer no mundo e no próprio país pós auge da crise gerada pelo Covid-19 trará desafios ao roteiro traçado pela equipe do ministro Paulo Guedes de uma recuperação econômica impulsionada por investimentos privados.
No plano doméstico, uma das preocupações é que o avanço dos marcos regulatórios e das reformas econômicas, considerados cruciais pelo próprio governo para dar segurança aos investidores, principalmente na área de infraestrutura, não progrida em meio a um cenário político e social conturbado e a uma economia débil.
Globalmente, a expectativa, segundo economistas, é que o protecionismo ganhe mais força entre as grandes economias no cenário de retração mundial, com a polarização Estados Unidos-China dando a tônica das negociações entre os países e afetando negativamente as cadeias de produção globais, com reflexos também para o Brasil.
Depois de o país ter atraído no ano passado investimentos estrangeiros diretos líquidos de 78,6 bilhões de dólares, ficando em quarto lugar no ranking mundial de maiores receptores de IED, o Banco Central já previu, em março, que esse fluxo cairia para 60 bilhões de dólares este ano.
A autoridade monetária atribuiu a retração, na ocasião, às incertezas relacionadas aos impactos econômicos do Covid-19, ao enfraquecimento do comércio internacional e ao choque de preços do petróleo. Desde então, ficaram mais evidentes os efeitos negativos da crise sobre a entrada de recursos estrangeiros no país. Para abril, O BC projeta que os investimentos diretos caiam a 1,5 bilhão de dólares, frente a uma média mensal de 6,411 bilhões de dólares no primeiro trimestre.
O diretor-presidente da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica), Luís Afonso Lima, não vê uma recuperação desses fluxos no próximo ano, quando sua estimativa é que o IED some 55 bilhões de dólares, o que seria o menor valor desde 2009 (31,5 bilhões de dólares), auge da crise financeira global.
Ele destaca a piora do indicador de crescimento do país vis a vis o resto do mundo como um ponto determinante. Apesar de o grande mercado doméstico ainda ser fonte de apelo para investidores, a deterioração dos indicadores econômicos é um obstáculo.
"Vamos ser menos atraentes para investimentos em 2020 e 2021. O mais provável é a gente perder participação, perder uma parte do bolo que já vai estar menor", disse o economista.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) previu em abril que a economia do Brasil sofrerá retração de 5,3% este ano, mais do que o encolhimento de 3% estimado para a atividade global, que seria o maior desde a crise de 1929. Para 2021, a projeção é de crescimento global de 5% e de 2,9% para o Brasil.
O economista Helcio Takeda, consultor sênior da consultoria Pezco, destaca um aumento do nacionalismo e do protecionismo no mundo como provável resultado direto da crise atual como outra dificuldade.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem ameaçado impor novas tarifas sobre a China, a quem culpa pelo surto do coronavírus que já custou mais de 80 mil vidas nos EUA e ameaça sua reeleição.
"O mundo vinha em uma trajetória de consolidar cadeias globais de produção", afirma Takeda, ressaltando que o movimento tende a sofrer uma reversão e impactar os fluxos de investimento direto mesmo para o Brasil, uma economia historicamente fechada.
Ele vê o setor automotivo do país como um dos mais sensíveis a essa mudança, por se tratar de um segmento mais integrado a outros mercados consumidores e fornecedores. Mas Takeda destaca que a indústria local, de uma forma geral, é bastante dependente de insumos importados, cuja oferta pode sentir o baque de uma economia global mais fechada.
O economista espera uma retração dos fluxos de investimento direto nos próximos meses ou mesmo anos. Ele pondera que, em meio à grande liquidez disponível após as medidas tomadas pelas grandes economias na crise, o Brasil pode passar a receber um volume maior de recursos pela via financeira, por meio de fundos de investimento, por exemplo, mas ressalva que o país terá de se movimentar para poder aproveitar essa oportunidade.
REGULAÇÃO
Um ponto destacado como essencial tanto dentro como fora do governo é a urgência de o país estabelecer marcos regulatórios para os investimentos em infraestrutura além de avançar em medidas que melhorem o ambiente de negócios.
Os marcos do saneamento e do setor elétrico, ambos em tramitação no Congresso, são alguns dos projetos apontados como urgentes para destravar concessões. O governo também já indicou que considera prioritário atualizar o arcabouço regulatório de cabotagem e ferrovias, assim como aprovar projeto que trata do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações.
O ministro Guedes tem afirmado que o país tem condições de ter uma recuperação relativamente célere, em formato de "V", impulsionada por taxas de juros baixas e pela entrada de investimentos nacionais e de fora, mas que isso depende em grande medida de uma modernização da regulação.
O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, tem insistido no mesmo ponto. "Se haverá ou não investimento em aeroportos, rodovias, saneamento, no setor de energia, tudo depende de construirmos marcos regulatórios adequados atrativos", afirmou na última semana.
"FRICÇÃO INSTITUCIONAL"
Alberto Ramos, chefe de pesquisa para América Latina da Goldman Sachs, se diz desapontado com o ritmo "extremamente lento" das reformas até então e vê um cenário difícil para avanços pelo menos nos próximos dois anos.
"Houve um aumento da fricção institucional entre os diversos Poderes. Há um nível de ruído que levou a uma deterioração da governabilidade e da capacidade de implementar algumas dessas reformas", afirma.
Para 2021, Ramos espera um aumento da demanda na sociedade por mais gastos, que tende a encontrar eco no Congresso, e ele lembra que o ano seguinte (2022) é um período eleitoral. Nesse contexto, que terá como pano de fundo uma economia fraca, com ociosidade muito elevada, ele vê o investimento "muito mal".
Lima, da Sobeet, também vê um cenário político mais adverso para a agenda reformista.
"A política está mais complexa, com o Executivo se desentendendo com Legislativo, Judiciário. Essa coalizão de forças vai ficar mais difícil."
O economista também lamenta a perda recente da proximidade política do país com China em meio ao processo de tensionamento das relações do gigante asiático com os Estados Unidos.
"Caberia aproveitarmos dessa polarização para nos aproximar mais da China e também dos Estados Unidos, e não entrar em uma polarização que não é nossa", afirmou.