Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, expressou nesta quinta-feira decepção em relação ao desempenho recente da economia, mas ressaltou que o BC não pode trocar inflação controlada por crescimento econômico, argumentando que isso já foi tentado no passado e culminou em forte recessão.
Ao participar de audiência pública na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional, Campos Neto sinalizou que a melhoria do cenário fiscal é fundamental para eventual corte dos juros básicos.
O último ciclo de afrouxamento, destacou ele, se deu na esteira da expectativa e posterior aprovação da regra do teto de gastos, que limitou o crescimento das despesas à inflação.
Os comentários reforçam comunicação recente do BC indicando que, sem a reforma da Previdência, a autoridade monetária ainda não vê espaço para diminuir a Selic, a despeito da piora no quadro econômico.
"Nós mencionamos na ata e mencionamos na linguagem oficial que ficamos também decepcionados com o resultado do crescimento. Inclusive mencionamos a palavra 'retomada', o que significa que a gente acha que ele (crescimento) foi parcialmente interrompido", disse Campos Neto.
Mais cedo nesta semana, o BC apontou na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) uma "probabilidade relevante" de ligeiro recuo da economia brasileira no primeiro trimestre deste ano sobre os três meses anteriores.
Por outro lado, manteve o discurso de que precisa de tempo para analisar a fundo o quadro antes de eventual mudança na rota dos juros, incluindo nessa equação o impacto das reformas na economia.
Nesta quinta-feira, Campos Neto afirmou que o melhor jeito de crescer de forma estável é ter inflação sob controle e expectativas de inflação ancoradas.
"Achar que a gente vai trocar uma inflação controlada, um sistema de credibilidade no longo prazo, por um crescimento de curto (prazo), isso é voo de galinha", disse.
"Não dura e quando ela volta, a crise é grande e nós gastamos um bom tempo tentando recuperar isso", completou.
Campos Neto afirmou que não existe país de inflação e juros baixos que tenha cenário fiscal desarrumado.
Ele avaliou que após as eleições existia a expectativa de que o quadro fiscal fosse rapidamente encaminhado no Brasil. Diante das incertezas, mercado e investidores seguem em compasso de espera, acrescentou.
"Acho que quanto mais formos capazes de sinalizar para os investidores que nós estamos falando sério sobre a disciplina fiscal --porque ninguém gosta de emprestar dinheiro para quem não paga a conta--, quando nós formos sérios em falar, em passarmos a mensagem de que estamos sérios, de que estamos dispostos a encarar esse problema, mais rápido virá o investimento", disse.
RESERVAS INTERNACIONAIS
Ao falar sobre as reservas internacionais, Campos Neto defendeu que elas funcionaram bem como um seguro em momentos de volatilidade e que, de 2008 a 2018, implicaram um retorno positivo de 70 bilhões de reais para o país.
As reservas estão atualmente na casa de 380 bilhões de dólares. Segundo Campos Neto, o BC tem debate "constante" sobre o nível ótimo desses recursos. Ele pontuou ainda que as reservas têm hoje seu menor custo de carregamento histórico.
Questionado sobre a possibilidade de uso desses recursos para cobertura do rombo previdenciário, ele afirmou que esta seria uma forma rápida de o país perder a credibilidade e adentrar numa espiral de piora.
"Não podemos tomar saída fácil, já fizemos isso e não deu certo", disse.
Durante a audiência, ele se esquivou de fazer comentários mais específicos sobre a reforma da Previdência, argumentando que este não é o papel do BC.