Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O diretor de Política Econômica do Banco Central, Fabio Kanczuk, afirmou nesta sexta-feira que os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) têm apetites diferentes para testar o limite para os juros básicos, também ponderando que o próprio cálculo dessa fronteira é feito de maneiras distintas.
"Eu pessoalmente vejo como algo que precisa caminhar com muito cuidado, mas não é algo imutável e algo que você não pode testar", afirmou ele, em live promovida pela XP.
Em um raro comentário público sobre diferenças de posições no Copom, Kanczuk disse ter ele próprio um pouco mais de apetite para testar, enquanto reconheceu que outros membros têm menos.
A próxima decisão sobre os juros do colegiado será tomada no dia 17 deste mês. Em suas últimas comunicações, o BC sinalizou que poderá adotar outro corte de até 0,75 ponto, o que levaria a Selic à nova mínima histórica de 2,25% ao ano.
Segundo Kanczuk, o Copom irá se debruçar sobre o efeito líquido de duas grandezas: hiato do produto (ociosidade da economia), que abriu bastante por conta da crise com o coronavírus e seus efeitos sobre a economia, e a questão fiscal, com o aumento de gastos pelo governo afetando o prêmio de risco ligado ao país e, por conseguinte, o juro neutro.
Um ponto acessório no radar do BC, ligado ao fiscal, tem sido o efeito das reduções de juros sobre a estabilidade financeira, com a possibilidade de a resposta pelo canal do câmbio afetar o balanço das empresas. A redução da taxa Selic a patamares mínimos históricos tem contribuído para uma redução dos fluxos de investimentos externos em portfólio no país, o que tem pesado na desvalorização cambial.
"Essa era a leitura (no Copom de maio) e é mais ou menos esse o balanço de novo que a gente agora tem que se debruçar para pensar à frente", afirmou o diretor.
Kanczuk reiterou que o Brasil não está no "zero lower bound" --limite a partir do qual a política monetária perderia sua eficácia-- e que, por isso, há espaço para continuar agindo via política monetária tradicional.
"É mais eficaz e não tem risco de distorcer a curva longa", avaliou.
COMPRA DE TÍTULOS PRIVADOS
Questionado sobre como se dará a compra pelo BC de títulos privados, possibilidade aberta pela emenda constitucional do Orçamento de Guerra, o diretor disse que não poderia ser explícito na resposta uma vez que o BC está fechando esse detalhamento e deverá anunciá-lo em breve.
No entanto, ele pontuou que a atuação será análoga à que vale para as intervenções no câmbio. Isto é, voltada a resolver disfuncionalidades vistas no mercado, quando os preços começam a não refletir fundamentos.
"Vai ser igualzinho em títulos públicos e privados, não é política monetária de jeito nenhum", afirmou. "A atuação nesses mercados não é para desfazer ou aumentar o efeito da política monetária, não tem absolutamente nada a ver com isso."
Kanczuk reforçou avaliação que já tinha feito nesta semana sobre o tamanho das reservas internacionais estar num intervalo que considera "correto" para ter um efeito portfólio sobre a dívida líquida.
Nesse sentido, frisou que sua frase sobre eventual compra de dólares pelo BC foi feita em estrita ponderação sobre o tema.
Se hoje o BC vende dólar à vista, "talvez daqui a três anos, ou sei lá quando, é completamente hipotético, a disfuncionalidade esteja do outro lado e daí você inverte a sua posição", explicou ele.
Ecoando comentários recentes do presidente do BC, Roberto Campos Neto, o diretor disse que a análise da dívida líquida faz mais sentido do que da dívida bruta no caso brasileiro. Mais importante do que isso, as reservas estão cumprindo seu papel no cálculo da dívida líquida, completou ele.
"O papel das reservas é esse daí: quando você tem um choque negativo, ela reduz dívida líquida e atua como um autoestabilizador. E daí você olha dívida bruta você não percebe que o país está tendo esse efeito positivo de portfólio, de ter alocado corretamente em moedas diferentes", afirmou.