SÃO PAULO (Reuters) - Voltando aos seus melodramas de acento feminino, Pedro Almodóvar realizou “Julieta”, com o qual concorreu à Palma de Ouro em Cannes pela quinta vez em sua carreira.
Certamente é um passo adiante dos últimos e insatisfatórios “A Pele que Habito” e “Amantes Passageiros”, aproximando-se mais da chave de “Amores Partidos”. Ou seja, não se espere nenhuma gota daquele humor ferino e descabelado que fez a fama do diretor espanhol, talvez pelo desenraizamento, por não se tratar de uma história original e sim de uma adaptação, como sempre, muito livre, de contos da canadense Alice Munro, prêmio Nobel de Literatura 2013.
Há muito do universo Almodóvar, no entanto, para garantir o interesse – até a volta da impagável Rossy de Palma, interpretando Marian, uma empregada sinistra, digna de figurar em qualquer terror vitoriano inglês. Ela insere uma nota sempre ligeiramente atemorizante e uma nesga de humor negro. No mais, não se encontra espaço para ironia. Outro rosto conhecido de volta é do ator argentino Dario Grandinetti (“Fale com Ela”).
A protagonista, Julieta, é interpretada por duas atrizes. Jovem, pela belíssima Adriana Ugarte, que vive a fase em que esta professora de mitologia grega conhece num trem um atraente pescador, Xoan (Daniel Grao). Ele é casado e sua mulher está em coma. Mas Julieta e ele vivem uma noite de amor no trem, que sofreu uma brusca parada devido ao suicídio de um homem.
Desse envolvimento nasce uma filha, Antía (Blanca Parés, na adolescência), que está no centro do grande drama da vida da Julieta madura (Emma Suárez). Anos depois de uma tragédia familiar, Antía sumiu da vida da mãe, que entrou em depressão. Quando finalmente ela está encontrando um novo eixo e possibilidade de uma nova vida, reencontra uma amiga de infância da filha e o drama recomeça.
É tudo muito elegante, bem filmado – Almodóvar é um diretor refinado. Mas, ao mesmo tempo, dramaticamente, parece faltar algo. Uma história desta densidade cria expectativas. O tempo todo parece que algo vai acontecer e não acontece. Há uma certa frustração ao final, especialmente porque as expectativas são sempre altíssimas, em se tratando deste diretor esplêndido, que já assinou “Carne Trêmula”, “Tudo sobre minha mãe”, “Fale com Ela” e tantos outros títulos que compõem o melhor de nossa memória cinematográfica.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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