Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - O presidente Michel Temer afirmou neste sábado que vai pedir a suspensão do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) contra ele até que seja verificada a veracidade da gravação feita pelo empresário Joesley Batista e reafirmou que continuará à frente do governo.
Na quinta-feira, o STF abriu inquérito contra o presidente pelos crimes de corrupção passiva, obstrução da Justiça e organização criminosa.
Em pronunciamento à imprensa no meio da tarde deste sábado, Temer desqualificou Joesley Batista, presidente da J&F e do conselho da JBS (SA:JBSS3), a quem chamou de criminoso e falastrão, e usou reportagem com peritos apontando a possibilidade de edição do áudio da conversa entre ambos para tentar demonstrar a nulidade da gravação.
"Essa gravação clandestina foi manipulada e adulterada com motivos subterrâneos. Levou muitas pessoas ao engano e trouxe grave crise ao Brasil", disse o presidente.
"Estamos entrando com uma petição no STF para suspender o inquérito proposto até que seja verificada em definitivo a autenticidade da gravação clandestina."
Abatido, mas tentando mostrar uma reação enérgica, Temer usou o acordo de delação assinado entre os irmãos Joesley e Wesley Batista para reclamar que ambos prejudicaram o país e estão "livres e soltos".
"O autor do grampo está livre e solto passeando pelas ruas de Nova York. O Brasil, que já tinha saído da mais grave crise econômica da sua história, vive agora, sou obrigado a reconhecer, dias de incerteza. Ele não passou nenhum dia na cadeia, não foi preso, não foi julgado, não foi punido. E pelo jeito não será. Cometeu o crime perfeito", disse.
Temer acusou ainda Joesley de ter vazado a gravação e o conteúdo das suas delações para ganhar dinheiro.
"Graças a essa gravação fraudulenta e manipulada, especulou contra a moeda nacional", disse o presidente, acrescentando que os irmãos Batista compraram 1 bilhão de dólares antes do vazamento e venderam ações de suas empresas.
"Esse senhor teve empréstimos bilionários do BNDES para alavancar seus negócios. Prejudicou brasileiros e agora vive nos Estados Unidos. Isso compromete a lisura de todo o processo por ele desencadeado", acusou.
O discurso de Temer segue a estratégia desenhada por seus auxiliares mais próximos e seus advogados, de tentar desqualificar o denunciante e todo o processo. Apesar de ter citado reportagem sobre gravação, fontes confirmaram à Reuters que o próprio Planalto analisou a fita e tem certeza de que houve adulteração, mas até agora não há evidências oficiais disso. O STF aceitou a gravação como prova.
Na conversa entre Joesley e Temer, o empresário diz que está cuidando da sua relação com o ex-deputado Eduardo Cunha, preso em Curitiba no âmbito da Lava Jato, com o que o presidente concorda que tem de ser mantido. Joesley diz ainda haver procuradores e juízes que o estão ajudando e pede para interferir em nomeações na Receita Federal e no Cade para resolver seus problemas.
"VELHOS TEMPOS"
Em sua declaração, Temer acusa Joesley de ser um "falastrão" e depois ter ele mesmo confessado que havia exagerado ao dizer que tinha ajuda de juízes. Em um primeiro momento, a resposta do Planalto foi de que Temer não o denunciou porque não acreditou nas informações.
"O que ele fala em seu depoimento não está no áudio. E o que ele fala no áudio mostra que ele estava insatisfeito com meu governo. No caso central de sua delação fica patente o fracasso de sua ação. O Cade não decidiu, o governo não atendeu seus pedidos. Não se sustenta a acusação pífia de corrupção passiva", disse Temer.
O presidente defendeu, ainda, que "não há crime em receber pessoas para ouvir suas reclamações", mesmo que seja tarde da noite.
"Estamos acabando com os velhos tempos das facilidades para os oportunistas. Há quem queira me tirar do governo para voltar ao tempo em que se fazia tudo com o dinheiro público e não prestavam contas", afirmou.
O presidente chegou a cogitar fazer um pronunciamento ainda na sexta-feira, ao verificar que a gravação não era aparentemente tão danosa como se pensava. No entanto, a divulgação do inquérito e do restante das delações dos executivos da JBS deixou o governo acuado.
Ao longo do dia, Temer conversou com aliados e fez diversas reuniões com seu advogado, Antonio Mariz de Oliveira, para analisar a gravidade a situação. As informações de jornais de que o áudio poderia ter sido adulterado fez com que Temer decidisse fazer o pronunciamento neste sábado, tentando explicar alguns dos fatos.
A situação do governo, no entanto, ainda está em suspenso.
Neste sábado, o PSB decidiu deixar a base e pediu a renúncia de Temer. Os dois principais partidos da base, PSDB e DEM, ainda não decidiram o que fazer, mas os tucanos já ensaiaram um desembarque ainda na quinta-feira. Decidiram esperar, porque se vêem como fiéis das reformas trabalhista e previdenciária.
Os dois partidos, no entanto, vêem a situação como muito difícil e um parlamentar chegou a classificá-la de ingovernável.
A depender da reação das ruas e, principalmente do mercado, os dois partidos admitem abandonar, juntos, a base do governo, o que praticamente inviabilizaria Michel Temer.
(Reportagem de Lisandra Paraguassu; Edição de Maria Pia Palermo)