Por Howard Schneider
WASHINGTON (Reuters) - Economistas de todo o mundo, desde os mais gastadores até os mais fiscalmente conservadores, concordaram em grande medida que a pandemia de coronavírus exigia uma resposta grande e rápida para evitar uma depressão global total.
Eles também chegaram a um consenso em outro ponto: a ressaca é real.
Da inflação global ao risco de taxas de juros e choques cambiais nos países em desenvolvimento, de gastos mal direcionados ao aumento da dívida dos EUA, pesquisas de organizações globais como o Fundo Monetário Internacional e "think-tanks" como a Brookings Institution agora apontam para os tremores secundários dos gastos da era Covid como novos riscos econômicos.
Na conferência anual de pesquisa de Jackson Hole do Federal Reserve em Wyoming no mês passado, a primeira vice-diretora-gerente do FMI, Gita Gopinath, e o gerente geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS), Agustin Carstens, alertaram que a inflação mais alta pode ser difícil de desalojar, inaugurando uma era de volatilidade de preços e do mercado financeiro.
Já uma conferência do Brookings este mês discutiu uma penca de problemas pós-pandemia, concluindo que:
* Os cerca de 5 trilhões de dólares em gastos do governo dos EUA provavelmente foram um exagero e, embora não totalmente responsáveis, exacerbaram a inflação mais alta em 40 anos com a qual o Fed vem lutando.
* O controle da inflação pode exigir um aumento muito maior do que o esperado na taxa de desemprego nos EUA.
* Um choque global desencadeado pela alta do dólar já está se desdobrando na sequência dos aumentos atrasados e grandes de juros do Fed.
CRISE DEPOIS DA CRISE
A pesquisa apresentada na reunião do Brookings concluiu que os pagamentos de alívio da Covid-19 alimentaram um aumento nas compras de bens duráveis no início da pandemia, mas, com a assinatura da terceira rodada de estímulo no início de 2021, pouco estava sendo gasto.
O dinheiro ajudou como uma espécie de seguro para algumas famílias, concluíram pesquisadores, como o professor de finanças do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Jonathan Parker e dois economistas do Escritório de Estatísticas do Trabalho dos EUA.
Mas "a pequena resposta de gastos de curto prazo e seu padrão sugerem que os (pagamentos de impacto econômico) foram para muitas pessoas que não precisavam dos fundos adicionais".
"Do ponto de vista da gestão da demanda, os pagamentos não gastos contribuíram para fortes balanços das famílias no ano passado, um período de forte demanda e inflação crescente."
Outro artigo estimou que apenas o pacote do Plano de Resgate Americano do presidente Joe Biden relacionado à pandemia, promulgado menos de dois meses depois que ele assumiu o cargo no ano passado, adicionou pelo menos um ponto percentual completo à inflação e provavelmente mais.
Preocupações com o impacto inflacionário da resposta do governo à crise foram minimizadas no início. O aumento dos preços inicialmente parecia limitado a bens duráveis --coisas como eletrodomésticos e carros-- e muitos, incluindo os principais formuladores de política monetária do Fed, presumiram que o salto na inflação desapareceria à medida que as cadeias de suprimentos alcançassem a demanda.
Isso demorou muito mais do que o esperado. Enquanto isso, os gastos e a inflação migraram para os serviços.
A invasão da Ucrânia pela Rússia em 24 de fevereiro causou outro choque, elevando os preços das commodities e da energia e ajudando a forçar o Fed a entrar no que de fato se tornou um ambiente de crise após a crise, com a inflação agora provocando sua própria resposta urgente, assim como a pandemia fez dois anos antes.
Autoridades do governo Biden dizem que continuam confiantes de que o banco central pode controlar os preços sem levar a economia à recessão.
"Acreditamos que há um caminho para reduzir a inflação, mas continuar vendo o impulso positivo que vimos na economia", disse o vice-secretário do Tesouro dos EUA, Wally Adeyemo, ao Yahoo! News na semana passada.
Os artigos da Brookings e as estimativas de outros economistas começaram a lançar dúvidas sobre se a economia pode superar esse surto de inflação sem um grande aumento na taxa de desemprego, talvez até 7,5%, um resultado que "pagaria" pelo aumento nos preços a um custo de 6 milhões de empregos perdidos.
Desaceleração global pode prejudicar o crescimento brasileiro? Confira no vídeo: