Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - O voto do Brasil contra a resolução da ONU que condena o embargo a Cuba é mais um passo na virada ideológica que o governo de Jair Bolsonaro tem imprimido à diplomacia brasileira e rompe com a tradicional defesa brasileira do livre comércio, disseram à Reuters fontes diplomáticas que acompanharam o processo.
"Não é uma decisão que tem impacto imediato, mas não quer dizer que não seja grave. O Brasil está aceitando que a lei de um país possa incidir sobre o que ocorre fora de suas fronteiras. Isso é muito sério", disse uma das fontes ouvidas pela Reuters.
Neste, como em anos anteriores, a resolução foi aprovada por quase duas centenas de países, dos mais diferentes espectros ideológicos. O Brasil se juntou ao próprio Estados Unidos e a Israel para ser o terceiro voto contrário à resolução.
Apesar de ser contra o embargo a Cuba, a resolução não é uma defesa da ilha em si, mas da liberdade de comércio. O texto defende que o embargo é contrário à liberdade de comércio e de navegação consagrada no direito internacional, uma posição que o Brasil, como os demais países, sempre defendeu.
O país sempre manteve relações comerciais com Cuba, intensificadas nos governos petistas. Atualmente, a ordem é evitar relações com a ilha, mas empresas brasileiras ainda têm interesses comerciais fortes lá.
A fabricante brasileira de cigarros Souza Cruz, por exemplo, que pertence à British American Tobacco (LON:BATS) PLC, tem uma joint-venture em Havana que produz a maioria dos cigarros em Cuba.
"Se o governo dos Estados Unidos quer fazer um embargo unilateral, o problema é deles. O problema é quando eles usam a legislação interna contra agentes econômicos de terceiros países que comerciam com Cuba. Isso violaria nossa soberania ao punir nossas empresas pela legislação interna americana”, explicou uma segunda fonte.
A posição do atual governo brasileiro, no entanto, é de alinhamento com o governo de Donald Trump, política defendida pelo presidente Jair Bolsonaro e encampada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, mesmo contra a tradição da diplomacia brasileira.
"Embargo ao comércio é um instrumento que só tem legitimidade internacional se for aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU. Nenhum país pode impor restrições ao comércio internacional unilateralmente", disse a fonte. "Essa é a discussão."
Nos últimos meses, o embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas, Mauro Vieira, vinha tentando convencer Araújo de que o Brasil poderia manter sua posição histórica e apenas destacar, em uma fala, que esse não era um apoio a Cuba, mas uma defesa do livre comércio, mas a instrução permaneceu a mesma.
Até a véspera da votação, Vieira ainda tentou convencer o governo a pelo menos trocar o voto contrário por uma abstenção que, mandaria um recado mas não seria tão grave a ponto de isolar o país apenas na companhia de norte-americanos e israelenses. Não teve sucesso.
Incomodado, o embaixador preferiu não representar o Brasil na votação. Enviou seu adjunto. Vieira está de saída da representação brasileira e foi mandado para Zagreb (Croácia), um posto desprestigiado na diplomacia brasileira.
Ex-chanceler durante o governo de Dilma Rousseff, Vieira entrou automaticamente na lista de desafetos do governo Bolsonaro, apesar de ter dado emprego a Araújo na embaixada em Washington, quando foi embaixador nos Estados Unidos, e tê-lo trazido para um cargo no gabinete quando assumiu o cargo de ministro.