Por Jamie McGeever
BRASÍLIA (Reuters) - Os países em desenvolvimento enfrentam um equilíbrio delicado de responder com força a recessões desencadeadas pelo coronavírus sem causar danos prolongados às finanças públicas, ao câmbio ou à credibilidade da política monetária. E para nenhum país isso é mais verdadeiro do que para o Brasil.
A maior economia da América Latina está caminhando para sua maior contração econômica de todos os tempos já carregando uma das maiores dívidas e déficits orçamentários e uma das taxas de câmbio mais fracas do que qualquer mercado emergente do mundo.
O Deutsche Bank estima que as medidas de auxílio fiscal e monetário do Brasil, que envolveram gastos orçamentários e injeção de liquidez, podem somar 30% do Produto Interno Bruto (PIB).
Não admira, talvez, que o governo e o banco central tenham dado sinais claros de que o fim está próximo para duas grandes fontes de estímulo --novos gastos e cortes nas taxas de juros.
Funcionários do Ministério da Economia dizem que algumas medidas de emergência podem ser estendidas para além dos três a quatro meses previstos nas contas. Mas nenhuma incluirá novos gastos.
"Não há dinheiro para isso", disse o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, à Reuters.
"Tão logo passe a pandemia, nós vamos ter uma relação dívida/PIB acima de 90%. Temos que mostrar que essa tendência da dívida/PIB é negativa. Se não, ninguém vem para cá mais. Quem vai emprestar dinheiro para um país com dívida crescendo?", disse ele, referindo-se aos fluxos de investimento estrangeiro.
A dívida e o déficit orçamentário do Brasil são significativamente maiores do que a média de outras nações emergentes com classificação de risco de crédito semelhante. Ambos devem aumentar acentuadamente este ano.
Essa tendência de alta vale para os vizinhos latino-americanos, mas a maioria está partindo de uma posição mais forte. A dívida da Colômbia é de cerca de 50% do PIB, e do Chile e do Peru é de cerca de 30%.
Por outro lado, os pesados gastos do Brasil, conforme o boom das commodities começou a se reverter, levaram a uma recessão esmagadora em 2015-2016, seguida de uma fraca recuperação. O PIB per capita do país estagnou em relação à década passada conforme o déficit público explodiu.
Ao diminuir sua perspectiva sobre a dívida soberana do Brasil no mês passado, a agência de classificação Fitch disse que o déficit do governo, incluindo despesas com juros, aumentará para 13% do PIB este ano, quase o dobro da mediana de 6,8% para países com a mesma classificação de crédito "BB".
A relação dívida/PIB esperada para o Brasil neste ano de 90% é consideravelmente superior à mediana atual de 58,4% dos países com uma classificação "BB (SA:BBAS3)". As previsões do setor privado sugerem que a proporção pode chegar a 100% dentro de alguns anos.
O Banco Central do Brasil já tomou medidas equivalentes a mais de 16% do PIB, segundo sua própria estimativa, para injetar liquidez e empréstimos em todo o sistema financeiro.
Também foram concedidos poderes especiais de emergência para a compra de títulos públicos e privados. Mas o presidente do banco, Roberto Campos Neto, deixou clara sua preferência por intervenções pequenas e direcionadas, em vez da "flexibilização quantitativa" (QE) aos moldes das feitas em muitas economias desenvolvidas.
A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) mostrou preocupação crescente de que cortes da taxa de juros para muito abaixo da mínima recorde de 3% em que está agora poderia desestabilizar os mercados financeiros e impulsionar os prêmios de risco já elevados.
"Frente à conjuntura de elevada incerteza doméstica, o espaço remanescente para utilização da política monetária é incerto e pode ser pequeno", disse a ata, ainda que o banco tenha deixado a porta aberta para um corte final em sua próxima reunião, em junho.
SAÍDAS RECORDES
Em outras palavras, os formuladores de políticas alertam que poderão em breve fechar as torneiras para o estímulo fiscal e monetário, apesar de uma pressão para que façam "o que quer que seja preciso", nas famosas palavras do ex-chefe do Banco Central Europeu (BCE) Mario Draghi.
Mesmo nos melhores cenários, milhões perderão sua empregos, os mais pobres sofrerão desproporcionalmente e a capacidade de produção será devastada. A economia este ano provavelmente sofrerá a maior queda da história.
Ainda marcados pela história brasileira de crises cambiais, fuga de capital e hiperinflação, os formuladores de políticas temem que estímulos excessivos possam desencadear novos problemas do tipo.
O real desvalorizou mais de 31% em relação ao dólar este ano, ao patamar nominal mais baixo de todos os tempos, em grande parte devido às taxas de juros em queda e a enormes saídas de capital.
O Brasil registrou uma saída recorde de 22,2 bilhões de dólares em ações e títulos em março, conforme a crise do coronavírus, o colapso dos preços dos petróleo e riscos políticos crescentes em Brasília levaram investidores a fugir dos mercados locais.
Os spreads das taxas de juros explodiram, refletindo intensificação da fuga de capital, volatilidade do mercado e deterioração do sentimento do investidor decorrente da moeda fraca. Após um período de estabilidade, a inclinação da curva de juros está de novo se ampliando acentuadamente.
Julia Braga, professora associada de economia da Universidade Federal Fluminense, concorda que há um limite para o quão baixo os juros podem chegar sem efeitos negativos nos mercados financeiros.
Mas ela defende que não é apenas errado, mas perigoso dizer que o governo e o banco central não podem fornecer mais estímulos. Embora a dívida do Brasil seja grande, é principalmente denominada em reais, portanto pode ser financiada pela poupança doméstica sem o risco de azedar os ânimos dos investidores estrangeiros, argumenta.
Como observou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, o perfil de vencimentos da dívida pode ser reduzido, atendendo à demanda por títulos de mais curto prazo e amenizando pressões de refinanciamento que o Tesouro possa enfrentar.
"O banco central é o credor de último recurso e pode --e deve-- comprar títulos no mercado secundário", afirmou Braga.
"Se o governo não expandir a política fiscal, sair do buraco será muito mais difícil. Para o bem da economia e da sociedade, o governo e o banco central devem resistir a seus instintos cautelosos e fazer todos os seus esforços para apoiar a economia", disse ela.