Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O Banco Central fará o que for preciso para levar a inflação para as metas em meio ao avanço de preços na economia brasileira, mas o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, frisou que isso não significa que o BC reagirá sempre a dados novos.
Ao falar no evento MacroDay 2021, promovido pelo banco BTG Pactual (SA:BPAC11), ele destacou que o BC levará a Selic para onde for necessário, mas não irá alterar seu plano de voo a cada número de alta frequência que sair.
Segundo Campos Neto, choques consecutivos impactaram a inflação no Brasil e isso nunca aconteceu em período tão curto de tempo. Ele reconheceu que houve alta recente nos núcleos de inflação, mas sublinhou que o BC esperava parte desse movimento em preços de serviços.
Questionado se a mensagem de que fará o que for necessário para a inflação era direcionada ao ciclo de alta da Selic e também ao ritmo desse aperto, ou somente ao ciclo, ele buscou esmiuçar a intenção do BC com a comunicação adotada.
"Quando a gente fala 'whatever it takes' (o que for necessário) basicamente a gente está querendo dizer o seguinte: a gente tem um instrumento na mão que vai ser usado da forma como ele precisa ser usado e a gente entende que a gente pode levar a Selic até onde precisar ser levada para que a gente tenha uma convergência da meta no horizonte relevante", afirmou.
"Mas a gente também gostaria de dizer que isso não significa que o BC vai reagir, que vai ter alterações no plano de voo, a cada dado de alta frequência que sai. Ou seja, algumas coisas a gente tem comunicado, já tinha antecipado, algumas coisas de disseminação (de inflação) estão um pouco piores de fato na ponta, mas a gente tem um plano de voo que a gente olha num horizonte mais longo. Isso não significa que você não vai atingir o objetivo de estabilizar, de fazer a convergência da inflação à frente", completou.
A inflação brasileira tem surpreendido para cima e nos 12 meses até agosto bateu em 9,68%, muito distante do teto da meta oficial para este ano --IPCA de 3,75%, com margem de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.
O cenário tem feito agentes de mercado ajustarem continuamente suas expectativas também para 2022, ano que integra com maior peso o horizonte relevante do BC. Na pesquisa Focus mais recente, a estimativa é de uma inflação de 8% este ano e de 4,03% no ano que vem, acima do centro da meta que é de 3,5% para 2022, também com margem de tolerância de 1,5 ponto.
Em função do quadro, a projeção do mercado já é de que o BC terminará 2021 ajustando os juros básicos a um patamar mais alto: 8%, ante nível atual de 5,25% e uma taxa de 2% no início deste ano.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC se reúne na próxima semana para sua decisão para a Selic. Desde agosto a sinalização era de que a autoridade antevia um novo aumento de 1 ponto percentual para este mês.
Câmbio
Durante sua participação no evento, Campos Neto também adiantou que o BC provavelmente terá que atuar no câmbio por conta de demanda associada ao desmonte do overhedge (proteção cambial adicional dos bancos) no final do ano.
Grande parte do fluxo cambial de portfólio que saiu do Brasil ainda não retornou, tendo sido direcionado para a Ásia, com grande parte capturado pela China, destacou o presidente do BC.
Ele avaliou que há quantidade grande de dólar que está represada e que pode voltar em algum momento e ponderou que parte da volatilidade que existe pode estar associada à demanda "muito grande" por questão técnica pontual em torno da virada do ano, em referência à questão do overhedge.
"Provavelmente vai ser importante suprir, fazer intervenções (cambiais) que vão ao encontro de demanda pontual que a gente entende que vai ter no fim do ano. Então basicamente a mensagem é essa", disse.
Uma fonte com conhecimento direto do assunto disse à Reuters que a magnitude da demanda por dólares associada ao desmonte de overhedge é estimada em 15 bilhões de dólares, número que deve ser comunicado com mais precisão pelo BC à frente.
Fiscal
Campos Neto também voltou a dizer que há melhora no quadro fiscal brasileiro, com o resultado primário esperado para o próximo ano muito próximo de zero.
Ele repetiu avaliação feita recentemente de que o temor fiscal do mercado foi guiado por expectativas quanto ao possível viés eleitoreiro de programas do governo, com o entendimento de que seriam feitos apenas para viabilizar um Bolsa Família maior, pontuando ser importante virar essa página.
"(Na) parte de relacionamento com o Congresso, a gente vê que a gente conseguiu passar várias reformas, no entanto isso não se espelhou, não se traduziu numa queda no prêmio de risco, acho que isso é coisa que aos poucos vai se incorporando aos preços", afirmou ele, reconhecendo haver à frente incerteza ligada às eleições presidenciais.
"À medida que a gente passe uma tranquilidade no ambiente fiscal ... acho que a gente consegue recuperar parte desse prêmio de risco do ano passado", completou.