Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - A Câmara dos Deputados decidiu nesta quinta-feira manter o veto presidencial que proíbe a concessão de reajuste a servidores públicos, evitando um impacto superior a 120 bilhões de reais nas contas públicas, depois que o Senado havia votado na véspera pela derrubada da proibição, em uma derrota para o governo.
Encarada como um teste da base que o presidente Jair Bolsonaro tenta construir no Congresso, a votação do veto ocorreu após forte mobilização que contou com a participação do governo, de lideranças e também do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O polêmico veto de Bolsonaro a dispositivo que permitia o aumento de vencimentos de servidores das áreas militar, de segurança, saúde e educação, além de agentes socioeducativos, aos profissionais de limpeza urbana, e de serviços funerários e de assistência social foi mantido pelo placar de 316 a 165.
A manutenção do veto pelo Congresso fazia parte de acordo selado com governadores, que teriam se comprometido a suspender aumentos salariais como contrapartida a auxílio destinado pelo governo federal a Estados e municípios por conta da crise do coronavírus. O pacote de auxílio federal envolveu o repasse de 60 bilhões e reais a Estados e municípios e a suspensão do pagamento de dívidas dos entes com a União e bancos públicos, o que levou o valor total do pacote a 125 bilhões de reais.
O governo calcula um impacto de mais de 120 bilhões de reais caso o Congresso rejeitasse o veto. Para o Executivo, o trecho sobre as exceções à proibição de reajustes salariais de servidores até o fim de 2021 "viola o interesse público por acarretar em alteração da Economia Potencial Estimada", e sua manutenção "retiraria quase dois terços do impacto esperado para a restrição de crescimento da despesa com pessoal".
"COCHILO" NO SENADO
A derrubada do veto na véspera no Senado pegou o governo de surpresa. Segundo o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), o comportamento não era esperado, uma vez que a manutenção do veto fazia parte do acordo selado com governadores.
Para ele, o "cochilo" dos chefes dos governos estaduais poderia ter solução, caso eles mobilizassem seus deputados para evitar o resgate do trecho sobre reajustes na Câmara nesta quinta. Também avaliou que a votação serviria como um teste para a base do governo, reforçada pela aproximação entre Bolsonaro e o centrão.
Ainda na quarta-feira, a decisão do Senado provocou forte reação do ministro da Economia, Paulo Guedes, que considerou o resultado como "péssimo sinal".
Logo na manhã desta quinta, Bolsonaro afirmou que seria "impossível" governar caso a Câmara derrubasse o veto. Ao mesmo tempo, Maia era convocado para ajudar na articulação, e reunia-se com líderes de bancada para desenhar a estratégia e evitar o baque fiscal temido pelo governo.
O deputado afirmou que a manutenção do veto era o "melhor para o Brasil". Ponderou, no entanto, que as declarações de Guedes sobre o Senado não ajudavam nas negociações. O presidente da Câmara fez questão de subir à tribuna da Câmara, durante a votação, para defender a manutenção do veto.
O novo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), alertou para o fato que eventual derrubada do veto na Câmara poderia ter impacto, inclusive, na programação do governo de estender o pagamento do auxílio emergencial para informais e desempregados até o fim do ano.
Por outro lado, deputados --não apenas da oposição-- apontaram a importância das categorias no front de combate à Covid-19 e alertaram que a manutenção do veto também irá interferir no plano de carreira desses profissionais.
Questionaram, ainda, o impacto calculado pela equipe econômica. "Isso são fake news. Isso não são números comprováveis", disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que considerou a manutenção do veto uma "injustiça com servidores".
"Nós estamos falando aqui de coveiros, de garis, de trabalhadores da saúde, da educação e de policiais. Não são os trabalhadores que ganham mais --inclusive do Judiciário, do Legislativo--, não é verdadeiro isso. Isso são fake news. Nós temos que respeitar todos."
Já o líder do PP e do bloco que ficou conhecido como centrão, Arthur Lira (PP-AL), argumentou que ao votar a favor do veto, a Câmara ajuda o governo em suas iniciativas como o auxílio emergencial.
"Estamos hoje aqui votando a favor de tantas outras matérias que seriam impactadas com essa despesa de hoje", disse o líder, no Twitter.