Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) -A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira, com margem folgada de votos, um requerimento que confere regime de urgência para o projeto do novo arcabouço fiscal do país, abrindo caminho para a tramitação acelerada da proposta prioritária para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O requerimento foi aprovado por 367 votos a 102, placar confortável que pode servir de amostra para o que deve ocorrer na próxima semana na votação do mérito do projeto no plenário da Casa.
Em meio aos esforços do governo para consolidar sua base no Congresso, os 367 votos favoráveis superam os 257 necessários para a aprovação do arcabouço e ultrapassam os 308 necessários para aprovação de Propostas de Emendas à Constituição (PEC).
"Vitória do governo, vitória do Brasil, vitória da responsabilidade social combinada com a responsabilidade fiscal", disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do governo.
"Essa votação sinaliza agora para a gente poder votar o conteúdo, que também segue exatamente aquilo que foram as diretrizes encaminhadas pelo governo do presidente Lula", acrescentou Padilha, que vinha enfrentando pressão após derrotas recentes do Executivo no Congresso.
Tratada como prioridade pelo governo, o novo arcabouço fiscal substitui o teto de gastos ao criar novas balizas para o Orçamento e, após mudanças promovidas pelo relator da matéria, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), passou a incluir gatilhos de ajuste que endurecem a gestão das contas.
O regime de urgência dispensa o cumprimento de algumas etapas de tramitação como prazos e outras formalidades regimentais, além de permitir que ela possa seguir diretamente para o plenário da Casa, sem a necessidade de análise prévia nas comissões.
O governo espera aprovar o mérito da proposta no plenário da Câmara na próxima semana para que o texto seja encaminhado ao Senado.
Ao pedir que os deputados aprovassem a urgência nesta quarta-feira, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que o momento da votação era "decisivo" para a votação do mérito da proposta "na próxima quarta-feira ou até mesmo na terça-feira".
"A votação no dia de hoje, no momento em que se aprova a urgência, vai permitir que até quarta-feira o relator da matéria, o deputado Claudio Cajado, possa continuar o diálogo com o governo, continuar o diálogo com as bancadas, para que cheguemos na terça-feira com a matéria pronta para ser votada", afirmou o líder, da tribuna.
GATILHOS
O arcabouço fiscal elaborado pelo governo estabelece que as despesas federais não poderão crescer mais do que 70% da alta das receitas, além de definir que os gastos crescerão anualmente entre 0,6% e 2,5% acima da inflação.
O texto enviado ao Congresso pelo Ministério da Fazenda definia que em caso de descumprimento da meta fiscal, que terá uma margem de tolerância, o crescimento dos gastos passaria a ser limitado a 50% da alta da receita. O relator adicionou a essa punição uma série de gatilhos automáticos de ajuste fiscal.
No primeiro ano de rompimento da meta, o governo ficaria impedido de criar cargos, reajustar auxílios de servidores, criar ou aumentar despesas obrigatórias e conceder ou ampliar benefícios tributários.
Se o descumprimento ocorrer no segundo ano consecutivo, seriam barrados adicionalmente aumento de despesa com pessoal, contratações e realizações de concursos.
Os gatilhos, pelo relatório, também serão acionados caso as despesas obrigatórias do governo, que incluem salários de servidores e benefícios previdenciários, ultrapassem 95% do total do Orçamento.
Em outra mudança que endurece a regra, o governo será obrigado a contingenciar verbas de ministérios se perceber que não cumprirá suas metas. Esse é o formato vigente hoje, mas a proposta do governo tornava esses bloqueios facultativos.
O parecer do relator cria ainda uma restrição no dispositivo proposto pelo governo para que haja um bônus para investimentos caso as metas fiscais sejam superadas. Pelo relatório, esse bônus apenas valerá quando o Orçamento estiver operando no azul e será limitado a 70% do excesso de arrecadação (contra 100% na proposta original).
O caráter mais restritivo do texto apresentado por Cajado foi criticado por parlamentares mais à esquerda. A deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) referiu-se à proposta como uma "camisa de força" e se disse preocupada com a possibilidade de a economia não melhorar, o que daria força à extrema direita no país. A parlamentar também posicionou-se contrária à proibição de reajustes ou criação de cargos no serviço público no caso de descumprimento do resultado primário.
Em entrevistas nos últimos dias, Cajado tem afirmado que o texto foi aprimorado para que a regra fiscal tenha credibilidade e seja sustentável, ressaltando haver acordo entre partidos para que a proposta seja aprovada com ampla maioria.
Mesmo com respaldo da equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a bancada do PT questionou pontos do parecer. Nesta quarta-feira, porém, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, disse que a sigla não faltará ao governo, enquanto o líder petista na Câmara dos Deputados, Zeca Dirceu (PR), garantiu que todos os votos da bancada serão favoráveis à proposta.
(Reportagem de Bernardo Caram, Ricardo Brito e Maria Carolina MarcelloEdição de Flávia Marreiro e Pedro Fonseca)