Por Geoffrey Smith
Investing.com – Quem diria que o banco central mais Zen do mundo é o que pode acabar rindo por último.
Tudo indica que o imperturbável Haruhiko Kuroda deixará a presidência do Banco do Japão nos próximos dois meses, sem elevar os juros ou apertar a política monetária de alguma forma, após voltar a adotar um tom mais ameno na reunião de política monetária desta semana.
O BoJ desafiou as expectativas gerais de que relaxaria seu controle sobre as taxas de juros japonesas de longo prazo, mantendo sua meta oficial para os rendimentos dos títulos do governo de 10 anos em 0%, bem como suas bandas de tolerância em 0,5% para ambos os lados. Única entre os bancos centrais mundiais, que se defrontam com uma inflação no nível mais alto em 40 anos, sua taxa oficial de curto prazo permaneceu abaixo de 0%.
As decisões foram um choque para os mercados financeiros, que apostavam que o Banco do Japão (BoJ) seria forçado a endurecer a política monetária, devido a um aumento dos preços de importação e ao colapso do iene. Para os agentes do mercado, a ampliação das bandas de tolerância em 25 pontos-base para cada lado na reunião de dezembro seriam as primeiras rachaduras do sistema, através das quais uma torrente irreversível de capital especulativo passaria sem parar, destruindo a estratégia do BoJ.
Isso ainda pode acontecer, mas depois de alguns dados econômicos dos EUA bastante fracos nesta semana, responsáveis por enfraquecer o dólar e o mercado de títulos do Tesouro dos EUA, parece improvável que aconteça antes da saída de Kuroda.
Afinal, não é preciso acreditar no aperto do BoJ para apostar na alta do iene. O mesmo resultado é alcançado pelo banco central americano quando ele se torna mais flexível. Basta que a curva futura do dólar se achate e depois comece a cair.
O fator mais importante é que o diferencial de taxas entre as duas moedas se estreita, e é justamente isso o que está acontecendo: Desde outubro, quando o iene atingiu a mínima de 32 anos contra o dólar, a quase 152, o spread entre as taxas de 10 anos japonesas e americanas diminuiu em cerca de 80 pontos-base, levando o USD/JPY de volta para um pouco mais de 128, menor patamar em oito meses.
Francesco Pesole, estrategista de câmbio do ING, declarou que vê riscos de queda ainda maior no dólar, por mais “dovish”, ou flexível, que o BoJ permaneça.
Isso ameaça acabar com as esperanças do BoJ de que o iene fraco geraria uma inflação suficiente para debelar de vez os demônios deflacionários do Japão, forçando as empresas a aumentar os salários para apaziguar sua força de trabalho.
As novas previsões do Banco, divulgadas esta semana, não refletem tal crença. De cerca de 3% no ano fiscal atual, ele espera que a inflação caia abaixo de 2% no ano até março de 2024 e permaneça abaixo desse patamar no ano seguinte. Novamente, essas previsões, praticamente únicas entre os bancos centrais mundiais, estão abaixo da definição de preços estáveis de longo prazo da instituição.
Dessa forma, era inevitável que o banco reforçasse seu compromisso de comprar títulos para reflacionar a economia, ao dizer que “continuará expandindo a base monetária até que a taxa de aumento ano a ano do IPC (todos os itens, menos alimentos frescos) supere 2% e permaneça acima da meta de forma estável”.
A única esperança que o BoJ se permitiu expressar foi a de que os riscos para as suas previsões se desviassem para cima: a reabertura da China este ano deverá apoiar o setor externo, tanto através das exportações de máquinas quanto das importações de turistas, o que deve deixar as empresas do país um pouco menos neuróticas em relação ao aumento de salários. O mercado de trabalho japonês está apertado e continuará assim, e as expectativas de inflação aumentaram.
No entanto, o Japão já viu muitos falsos amanheceres antes nesse quesito, e os céticos terão o direito de exigir mais provas antes de acreditarem em qualquer história de "novo paradigma". Como a inflação global aparentemente atingiu o pico há alguns meses, o maior suporte individual aos esforços de reflação do Japão está se enfraquecendo. Kuroda pode ser o último e mais relutante membro do grupo de “inflação transitória” nos bancos centrais, mas a cada dia aumentam as chances de que, quando o Japão tomar coragem para aumentar as taxas de juros, a necessidade de fazê-lo já possa ter passado.